A Fábrica de Louça de Sacavém foi uma
fonte quase inesgotável de peças, com formatos, motivos e decorações, que foi
fabricando ao longo dos muitos anos que laborou.
Com paciência, perseverança, de forma
metódica e com uma sorte vamos conseguindo arranjar uma ou outra peça,
diferente, fora dos padrões habituais, pouco corrente e assim vai aumentando a
nossa colecção de peças da F.L.S.
É sempre com renovado prazer que percorremos feiras de
antiguidades e de velharias, vamos a leilões, pesquisamos em ajuntadores ou
visitamos antiquários, com o desejo de mais uma peça da F.L.S., para a nossa
colecção, com motivo, decoração ou formato que não tenhamos. Para além do novo
meio de pesquisa, em casa, que é a Internet.
Por outro lado, em dias ou épocas
especiais, e quando a tradição leva as pessoas a dar uma “prendinha”, a família
ou os amigos mais chegados e conhecedores do nosso vício, mimam-nos com mais
uma peça de faiança para a nossa colecção.
Foi
o que aconteceu neste Natal, com a minha “velhinha” mãe a presentear-me com uma
interessante peça da Fábrica de Louça de Sacavém: Um bule, moldado, com o
formato Porto, com decoração “Bolinhas Azuis”, cujo motivo desconhecemos, mas em
excepcional estado de conservação, sem a mínima beliscadura;
Em termos formais, a presente peça de
faiança moldada, possui uma forma globular/cónica, denominada formato “PORTO”,
com uma pega lateral em forma de “C” e bico levemente contra-curvado, com
rebordo superior circular para encaixe da tampa, cilíndrica, com uma bordadura
saliente de encaixe e uma pega cilíndrica, central.
No que se refere à decoração, trata-se
de uma decoração, simples e interessante, monocroma, azul, cremos estampilhada
e manual, constituída por “Bolinhas Azuis” (estampilhadas por aerógrafo – pelo menos
a degradação da cor nalgumas pintas a tal nos faz crer) e de filetagem, azul,
sobre o vidrado, efectuada manualmente – cremos.
A decoração apresentada é a seguinte: a
tampa do bule possui dois filetes monocromos azuis, entre os quais de
desenvolvem oito bolinhas azuis, geometricamente posicionadas. A pega possui
simplesmente um filete azul.
O bojo do bule possui oito bolinhas de
cada lado, entre a asa e o bico, formando cada quatro um losango; na base do bule,
um filete azul, entre o bojo e a boca dois filetes, terminando a boca com outro
filete azul.
A asa possui uma filetagem manual e
superiormente três “arranques” de filetes. O bico, de cada um dos lados possui
um filete efectuado manualmente e sobre a boca do bico outros três” arranques de
filete.
(A filetagem do bico) |
Cremos tratar-se de peça fabricada na
década de 40 ou 50 do século passado, mas com uso ainda regular, nos chás das
senhoras, no início da década de 60.
O carimbo aposto na base do bule é
estampada, na cor verde e correspondente ao período de Gilman & Cta. Ou seja
o mais longo dos vários períodos de fabricação desta fábrica (1902 – 1970). Por
baixo da marca a palavra PORTUGAL e as referências alfanuméricas “L” e “1290”,
para além de um “hieroglífico” não identificável. No bordo da base vislumbra-se ainda uma marca, de três triângulos disposta em trevo, cuja interpretação não conseguimos fazer.
(O covo do fundo do bule com os carimbos e a marca) |
(O carimbo e as demais referencias alfanuméricas) |
(A marca do período de Gilman & Cta. - 1902-1970) |
( A marca na pasta - três triângulos - ?) |
Através da bibliografia disponível e da
consulta on-line, as fontes 1) e 2)
são as que mais informações nos dão em relação a estas peças: Bules da Fábrica
de Louça de Sacavém.
Especificamente a fonte 2) indica-nos
que: “O
formato Porto encontra-se referenciado nas tabelas de preços publicadas entre
1932 e 1950, mas a sua produção iniciara-se já, certamente, antes da primeira
data e continuou também certamente depois de 1950.”
E acrescenta, que: “De acordo com a tabela de Setembro de 1949,
este formato fabricava-se em quatro tamanhos – 8, 10, 18 e 25 decilitros”.
O que apresentamos, corresponde ao
tamanho de 25 decilitros.
Mais indica, e com bastante interesse, que:
“Ainda
segundo a mesma tabela, este formato produzia-se em branco e nas classes A
(colorido sem ouro), B (colorido sem ouro) e C (colorido com ouro), com os
seguintes preços – 36$00, 40$00, 45$00 e 55$00, para o tamanho maior, e
13$50, 15$00, 16$50 e 20$00, para o tamanho mais pequeno. Embora tal não se
encontre especificado, a diferença de custo entre as classes A e B dever-se-ia,
provavelmente, a uma maior ou menor intervenção manual na decoração.
Na tabela de Janeiro de 1932 este modelo surgia nas quatro
medidas, mas apenas em três classes – branco, colorido sem ouro e
colorido com ouro, com os seguintes preços – 12$50, 16$50 e 18$50, para o
tamanho maior, e 4$50, 6$00 e 7$50, para o menor.
Já na tabela de 1938 este modelo só se
apresentava em duas classes – I (colorido sem ouro) e II (colorido
com ouro), comercializando-se apenas nos três tamanhos mais pequenos, com
os seguintes preços – 16$90,11$90 e 7$50, para a classe I, e
21$90, 13$10 e 9$30, para a classe II. Na classe I o serviço de 19 peças estava
tabelado a 77$50 e na classe II a 93$50. Nesse ano, para este formato,
ofereciam-se serviços de 19, 16, 10 e 9 peças.”
Como já verificámos a produção de bules pela
Fábrica de Loiça de Sacavém, desenvolveu-se sempre ao longo da sua produção, acompanhando
a evolução dos formatos e das decorações.
As decorações com motivos geométricos,
quer simples, compostas ou estilizadas, com recurso a filetagem, pode ser
encontrada com maior incidência na produção das décadas de 30, 40, 50 e mesmo
60, do século passado, da Fábrica de Loiça de Sacavém, com o recurso a diversas
técnicas de decoração (pintura manual, estampilhas, decalques, estampas e
aerógrafo).
Ainda me recordo no início da década de 60,
do século passado, quando havia o chá, com “certas” pessoas, com quem se fazia “cerimónia”,
a minha avó ou mesmo a minha mãe iam buscar o serviço de chá “das bolinhas” azuis”,
para presentear as visitas com um chá.
Certamente alguns de vós se recordarão
desta faiança de Sacavém, infelizmente desaparecida, e que raramente aparece
nas feiras de velharias, pois o seu uso intenso, o desgaste pelo tempo e pelas “modernices”
veio provocar a sua deterioração e o arremesso para o lixo.
Coleccionar faianças é conservar com
compaixão o seu passado, para que no futuro sejam conhecidas, estudadas e que
fique a memória das mesmas, das fábricas que as produziram e dos artífices e
operários que durante décadas e séculos trabalharam para as produzir.
Para que a memória das Artes Decorativas de Portugal perdure.
Mais um pequeno e simples contributo da
nossa parte!
Fontes:
3) - http://velhariastralhasetraquitanas.blogspot.pt/2014/12/bule-de-cha-modernista-da-fabrica-de.html;
7) - “150
Anos – 150 Peças – Fábrica de Loiça de Sacavém” – Museu de Cerâmica de
Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Março de 2006;
8) – “Fábrica de Louça de Sacavém – Contribuição para o estudo da
indústria cerâmica em Portugal 1856-1974” de Ana Paula Assunção, Colecção História da Arte – Edições INAPA – 1997;
9) – “Porta aberta às memórias” – Museu de Cerâmica de Sacavém –
Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2008;
10) - “Porta aberta às memórias”
– 2ª edição, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures –
Setembro de 2009;
11) – “Primeiras peças da produção da
Fábrica de Loiça de Sacavém: O Papel do Coleccionador”, de Ana Paula
Assunção, Carlos Pereira e Eugénia Correia, Museu de Cerâmica de Sacavém –
Câmara Municipal de Loures – 2003;
12) – “História da Fábrica de Loiça
de Sacavém”, de Ana Paula Assunção e Jorge Vasconcelos Aniceto, Museu de
Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Julho de 2000;
13) – “Roteiro das Reservas”, de
Ana Paula Assunção, Carlos Pereira e Joana Pinto, Museu de Cerâmica de Sacavém
– Câmara Municipal de Loures – 2000 (?);
14) –“Cerâmica Portuguesa e Outros
Estudos”, de José Queirós, com Organização, Apresentação, Notas e Adenda
Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença
– 3ª Edição – 1987;
Olá, tenho uma travessa da Real Fábrica de Sacavém (provavelmente do período 1894 – 1909) com 3 marcas sendo que uma delas é essa dos 3 triângulos. Só que neste caso em vez dos triângulos estarem marcados, estão pintados. Também não faço ideia do que representa. A mim faz-me lembrar um brasão ou uma coroa em formato simplista. Posso enviar-lhe fotos se tiver curiosidade em ver. Abraço
ResponderEliminarCaro Luís Montalvão,
ResponderEliminarObrigada por mais uma visita e uma "achega". Na verdade são os mistérios das peças de faiança, quer nas suas marcas ou nas gravações na pasta que nos motivam as pesquisas e nos incutem o espírito de tentar desvendar e assim apreciá-las com mais atenção.
Algo dia, certamente, com o contributo de todos lá desvendaremos o enigma.
Um abraço, boa semana.
Jorge Amaral