terça-feira, 27 de janeiro de 2015

TRAVESSA EM FAIANÇA, FABRICO DO NORTE (?); MOTIVO CANTÃO POPULAR, EM TONS DE DOURADO - INVULGAR

É do conhecimento geral o nosso fascínio pela faiança decorada com o motivo “Cantão Popular”, quer pela diversidade da decoração, quer pela incógnita do seu fabrico, quando não marcadas ou pelo desvendar de um novo fabrico, quando marcadas ou mesmo pela cromática aplicada.

Eis senão quando, muito recentemente, nos surgiu pela frente uma invulgar peça com este motivo, a qual passamos a descrever.

Uma travessa em faiança, de cantos arredondados, com aba recortada, em tons dourados – invulgar!

O mais frequente são os tons de azul, azul e preto ou amarelo-ocre e preto.

Cremos tratar-se de um fabrico do Norte, provavelmente do final do século XIX, assemelhando-se um pouco ao que se diz, fabrico “Miragaia”, mas sem certezas….


Os motivos básicos e repetentes deste motivo estão presentes: os dois edifícios (palácios-?) orientais com as suas cúpulas características; as duas ombreiras curvas sobre dois vãos de fenestração no da direita, o maior; a ponte de três arcos; os salgueiros – neste caso de sete ramos; a demais vegetação, as nuvens; os espelhos de água…


A característica cercadura da aba da travessa: um duplo filete, ladeando uma faixa larga, de espaçamento e afastamento irregular – demonstrando de forma indelével a mão e o traço não perfeita do seu artista; a seguinte cercadura com o espinhado pelo exterior, denotando-se, perfeitamente, onde o mesmo começou, com um traço mais grosso e curto e que conforme se iam desenvolvendo continuava por ser mais fino e mais comprido e com uma canelura ondulada pelo interior (no sentido do covo).


Finamente a cercadura da aba termina, já na transição para o covo igualmente com um duplo filete ladeando um faixa larga, tudo na cor dourada.


É na verdade a característica desta cercadura e a sua composição que nos leva a considerar ser uma peça de fabrico do Norte.


Por outro lado, a sua textura, o peso da peça, o traço, o cuidado aplicado no mesmo, conjugado com a imperfeição ou hesitação do artista, para além do tipo da pasta – cor de grão (visível numa das falhas que a travessa apresenta), o tipo de vidrado – leitoso e escorrido, com falhas que exibe, para além da configuração recortada da aba da travessa e da configuração do seu tardoz; no seu conjunto, leva-nos a induzir que o fabrico seja provavelmente do século XIX – será?


Não temos certezas, mas a travessa fascinou-nos!


É a primeira vez que encontramos uma peça em Faiança, com o motivo “Cantão Popular”, na cor dourada.


Aqui fica o seu registo.

FONTES:

1) – “Faiança Portuguesa Séculos XVIII-XIX”, Colecção Pereira de Sampaio, Editores ACD, 2008.

2) – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.

3) – “Faiança Portuguesa – Séculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos, 1985.

4) – “Cerâmica Artística Portuense dos Séculos XVIII e XIX”, Vasco Valente, Livraria Fernando Machado – Porto,

5) – “Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas”, Teresa Soeiro, Jorge Fernandes Lacerda, Silvestre Lacerda, Joaquim Oliveira, Edição Portugália, Nova série, volume XVI, 1995.

6) – “Fábrica de Louça de Miragaia”, Museu Nacional Soares dos Reis, Edição IMC, Lisboa, 2008.


7) - http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/75570/3/72863.1.pdf; (A Fábrica de Louça de Santo António de Vale de Piedade, em Gaia: arquitetura, espaços e produção semi-industrial oitocentista; LAURA CRISTINA PEIXOTO DE SOUSA, 2013).

domingo, 25 de janeiro de 2015

PRATO EM FAIANÇA, DE COIMBRA, SÉCULO XIX, MOTIVO “CASARIO” DOS BRASILEIROS “TORNA-VIAGEM” (?)

Para começar o novo ano, após um interregno forçado, apresentamos um interessante prato, pequeno, em faiança, que presumimos ser de Coimbra, do século XIX, com a decoração “Casario”.


Prato pequeno, mas deveras interessante; com uma reserva central, monocromática, na cor vinoso (cor de amora).

A decoração é pintada por estampilhagem e esponjado na cor de amora (vinoso), sobre fundo branco, possuindo uma paisagem tipo “Casario”, com um conjunto de três edifícios e árvores e elementos vegetalistas a ladear os mesmos.


Os edifícios, os troncos das árvores e o elemento vegetalista foram aplicados por estampilhagem (chapa recortada) e os ramos das árvores e o solo/paisagem de enquadramento foram aplicadas por esponjado.

O conjunto de edifícios, em número de três, ao gosto da época, com dois e três níveis de fenestração, exibem dois, coberturas piramidais e outro uma cúpula.


Estes edifícios eram característicos à época, meados a final do século XIX, existindo vários em Vilas em torno de Coimbra, bem como em diversas Vilas das Beiras, para além das do Norte e Nordeste do País, os quais eram mandados edificar pelos “Torna-Viagem”…

Isto era, os portugueses que regressavam do Brasil, abastados, com características de homem burguês e moderno e que queriam demonstrar essa situação, entre outras exibições, através das edificações que faziam, geralmente mais altas que as existem, com telhados com coberturas piramidais ou em cúpulas.

A estes “torna-viagem”, também lhe chamavam “Brasileiros”, e a sua influência, a nível do edificado em Portugal, também influenciou a cerâmica, e ficou registado para a posteridade, como é o caso do presente pequeno prato.

A arquitectura das edificações destes Brasileiros “torna-viagem” era elegante, inspirada nas casas coloniais vitorianas, com soluções afrancesadas e com alguma influência italiana.

Tal como caracteriza Miguel Monteiro:

A casa do "Brasileiro" de "Torna - Viagem" constituiu uma das representações mais evidentes desse retorno, quer na estrutura e fachada das edificações, quer nas novas demarcações internas, dividindo espaços e pessoas, evidenciando novas hierarquias e novas fronteiras sociais.

As inovações arquitectónicas e decorativas da casa do Brasileiros representam, na maior parte dos casos, uma reprodução ‘desfocada’ de soluções formais de uma arquitectura ‘elegante’ adoptada na construção residencial brasileira a partir de meados do século XIX mercê da actividade de arquitectos e companhias de construção europeias: um modelo onde pontuam influências da casa colonial vitoriana, soluções formais afrancesadas, misturadas com algum revivalismo de cariz italiano".

Nesta perspectiva, as edificações remetem para um quadro de leitura urbana da “Casa” que poderá ser categorizadas em três tipos: o palácio, a casa apalaçada e o palacete.”

Estes Brasileiros “torna-viagem” foram vastamente retratados por Eça de Queiroz, bem como por Camilo Castelo Branco.

São exemplos disso, o “torna-viagem” em “O primo Basílio” (1878), de Eça de Queiroz; o “retornado” Eusébio Seabra em “A Morgadinha dos Canaviais” (1868) de Júlio Dinis; e os vários “brasileiros” em “Eusébio Macário” (1879), em “A Brasileira de Prazins” (1883), “A Corja” (1880), “Os diamantes do Brasileiro” (1869), entre muitos outros romances, todos de Camilo Castelo Branco.

Voltando à peça: trata-se de um pequeno prato não marcado, com uma massa de textura fina, de esmaltado leitoso, mais ou menos homogéneo, mas com alguns escorridos, sob o qual se denota uma massa na cor de grão.


Peça interessante, com decoração relevante, que pelas suas características, nos permite considerar que será fabrico de Coimbra, desconhecendo-se, como sempre, a respectiva fábrica ou cerâmica, e , provavelmente, fabricada entre 1850 e 1890.

Mas certezas absolutas, não as há.


Quer no covo, quer no tardoz deste prato notam-se os três pontos de falhas de vidrado, decorrentes da colocação do mesmo nas trempes, para a vidragem.

Não possui qualquer filete, nem qualquer decoração vegetalista ou geométrica na bordadura do mesmo.

Pelo tipo de decoração, do esponjado e do “casario”, consideramos que não será Alcobaça, fabrico de José dos Reis, mas Coimbra.


Na Fonte 7) encontramos uma tigela com tampa, com uma decoração semelhante, com a indicação:  ”TIJELA COM TAMPA EM FAIANÇA DE FABRICO DO SÉC XIX OU ANTERIOR QUE PODERÁ  SER DE ALCOBAÇA QUE USOU INICIALMENTE ESTE MOTIVO DO CASARIO MONOCROMADO. ALGUMAS FÁBRICAS DO NORTE TAMBÉM USARAM ESTE MOTIVO”.

No entanto, pelo motivo continuamos a considerar como sendo de Coimbra.


FONTES:

1) – “Faiança Portuguesa Séculos XVIII-XIX”, Colecção Pereira de Sampaio, Editores ACD, 2008.

2) – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.

3) – “Faiança Portuguesa – Séculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos, 1985.