segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Prato em Faiança Policromático, motivo “Galo”, decoração popular. Lenda do Galo de Barcelos.


“Faiança do Galo”:


(Faiança de Aveiro (?))

Na Faiança portuguesa um dos motivos mais recorrentes e mais ao gosto popular, com decorações do mais “naif” que encontramos é o motivo “Galo”, geralmente com decoração policromática.

Cremos que quase todas as fábricas de Olaria e de Faiança criaram peças, geralmente pratos, com este motivo, em especial as do Norte, sendo que as fábricas de Aveiro foram as que mais produziram, segundo cremos.


(Decoração da bordadura da aba, em bicos)

São característicos destas peças a decoração em bicos, azul, na bordadura da aba; e o covo do prato com uma decoração policromada de um galo: com recurso às cores: ocre, manganês, de preferência e um esponjado na base de enquadramento ao galo, no presente caso, verde-escuro. 


(Decoração da bordadura da aba, em bicos)

A delimitação da aba-covo é sempre efectuada através de um filete, preferencialmente na cor azul, como no presente caso.


(Tardoz do prato pouco cuidado)


(Pormenor do frete no tardoz do prato)


(Pormenor das marcas da trempe ao vidrar)
O tardoz, de especto menos cuidado, com a apresentação das tradicionais marcas das trempes aquando da cozedura, possui um frete característico das faianças de Aveiro: o círculo central de menor diâmetro e um outro circulo externo de maio relevo, para além “dedadas” e “manchas” de azul, pelo descuido do decorador da peça.


Faiança de Coimbra (?) Ou de Aveiro mais cuidada (?)

A decoração mais simples, sem pormenores e à base de manchas cromáticas é característico da decoração de Aveiro, pois a de Coimbra era muito mais cuidada, com mais pormenorização do galo, com recurso a linhas, traços e voluptas na cor preta para dar movimento e exibição do galo.

Faiança do Norte - Provavelmente da Fábrica Cavaco (Fonte 5)

Faiança do Norte - Provavelmente da Fábrica Cavaco (Fonte 5)


Faiança do Norte - Fabrico não atribuído (Fonte 5)

Faiança de Coimbra - (Fonte 6)

Faiança de Coimbra - (Fonte 7)

Faiança do Norte - Provavelmente da Fábrica Cavaco (Fonte 6)



Faiança do Norte - Provavelmente da Fábrica Cavaco (Fonte 5)

Os fabricos do Norte recorriam a decorações mais estilizadas na aba e decalcadas a chapa (stencil), por vezes com desenhos geométricos.

Mas, Caldas da Rainha também teve nas suas faianças o motivo Galo, tal como não poderia deixar de ser a Fabrica de Louça de Sacavém.


Faiança da Fábrica de Louça de Sacavém (Fonte 5)


Faiança da Fábrica de Louça de Sacavém
 (Fonte 5)

E nas faianças ratinhas também apareceu o motivo “galo”.


Faiança de Coimbra - Louça Ratinha (Fonte 7)

Admitimos que este motivo recorrente se deve a dois factos: à popularidade desta ave doméstica: o GALO e à Lenda do Galo de Barcelos, que faz parte do imaginário e da tradição popular.


“Lenda do Galo de Barcelos”:

Recordando, segundo a lenda do Galo de Barcelos, foi esta ave, já morta e cozinhada, que demonstrou a inocência de um galego que ia ser condenado injustamente.
Tradicional Galo de Barcelos

Da lenda se diz que um valioso serviço de mesa, em prata, foi roubado, de casa de um homem rico de Barcelos, quando este fez uma grande festa, tendo o furto sido atribuído a um galego, que entretanto apareceu na localidade.

Independentemente de o mesmo afirmar, e jurar, que se encontrava de passagem, em peregrinação a Santiago de Compostela, a cumprir uma promessa, tal assim não foi entendido e o mesmo foi condenado à forca.

Perante tal decisão o galego apelou para que fosse perante o magistrado que o condenou, situação que foi aceite. Quando o levaram ao magistrado este estava num lauto repasto com amigos e mais uma vez clamou pela sua inocência.

Perante a não-aceitação pelos presentes, o mesmo, apontando para um galo que se encontrava cozinhado, em cima da mesa disse: “É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem”!

Perante esta afirmação o magistrado empurrou o prato na mesa e ordenou o imediato enforcamento do peregrino galego.

Então não foi que quando o mesmo estava a ser enforcado o galo assado se ergue da travessa e cantou!

O magistrado vendo assim o erro que tinha cometido correu imediatamente para a forca, ao que se deparou que o galego não tinha morrido e antes pelo contrário, se salvara graças a um nó mal feito.

Logo foi mandado ser solto e o deixaram ir em paz – e assim ficou a Lenda do Galo de Barcelos e daí, provavelmente o recorrente motivo do Galo, na Faiança Portuguesa.

O Galo de Barcelos, uma das mais importantes tradições populares portuguesas, é o predilecto motivo do artesanato minhoto, foi adoptado por Gil Vicente como seu mascote e é um dos símbolos de Portugal, pese embora com algum decréscimo no presente século.


Cruzeiro do Senhor do Galo em louvor à Virgem Maria e a São Tiago (Fonte 9)
Ainda segundo a lenda, o citado peregrino galego, anos mais tarde voltou a Barcelos e mandou esculpir um cruzeiro – o Cruzeiro do Senhor do Galo, em louvor da Virgem Maria e de São Tiago, cruzeiro este que se encontra na actualidade no Museu Arqueológico de Barcelos.


“Epílogo”:

Trata-se de um motivo que foi produzido desde os inícios do século XIX até finais do século XX. O que apresentamos cremos ser de meados do século XX.



Fontes:

1) – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.

2) – “Faiança Portuguesa – Seculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos, 1985.

3) – “Cerâmica Artística Portuense dos Séculos XVIII e XIX”, Vasco Valente, Livraria Fernando Machado – Porto,




quinta-feira, 29 de outubro de 2015

POTE EM FAIANÇA DA VAO DE COIMBRA - FÁBRICA DA VIÚVA DE ALFREDO OLIVEIRA


Interessante peça policromática, em faiança, com decoração vegetalista e floral, com pequenos apontamentos zoomórficos, de peixes pescados com linha, pote tipo ânfora, da Fábrica da Cerâmica de Coimbra, VAO – da Fábrica de Cerâmica da Viúva de Alfredo Oliveira.


Curiosa vasilha, em forma de coração, com duas asas, com amplo gargalo e uma tampa para o mesmo, com soberba decoração policromática por todo o exterior da peça.


Na base um largo filete em azul-cobalto, seguindo-se um espinhado em cor de manganés e com ampla decoração policromática no bojo da peças, com interessantes grinaldas vegetalistas e cordões deambulantes, rematando junto à boca do minúsculo gargalo com igual filete largo no limite da bordadura e um espinhado em cor de manganés.

 

Na parte mais côncava da peça apresentam-se três elementos decorativos desta fábrica VAO – os peixes, em cor de manganês.


Tampa para tapar a boca do gargalo, com decoração semelhante à da peça.


No fundo a marca perfeitamente identificável e definidora da fábrica que a fabricou: Cerâmica V.A.O – Coimbra, cujo decorador/a foi a Necas, conforme indicação (postagem) na respectivo cor de manganés.


Vejamos um pouco o que foi esta Fábrica de Cerâmica: VAO – da Fábrica de Cerâmica da Viúva de Alfredo Oliveira.


1. Tentando historiar:

Tratou-se de uma fábrica de faianças da zona de Coimbra, no denominado Terreiro da Erva, que se presume que tenha sido fundada na primeira década do seculo XX, muito provavelmente em 1908.

A Fábrica VAO – Viúva Alfredo Oliveira, foi naturalmente a sucessora da Fabrica Alfredo pessoa, após a sua morte, em 1936.

Foi uma fábrica centenária, pois julga-se que encerrou por volta de 2008, pese embora não há a certeza absoluta, ainda que escassos anos tenham decorrido desde essa situação.

No início de 2009 eram estas as imagens do edifício onde funcionou a fábrica: Terreiro da Erva, n.º 25.



Em Maio de 2014, a street view do Google maps, dava-nos a seguinte imagem da Fábrica:


Foi assim, a última fábrica antiga e característica da zona de Coimbra a encerrar, e que à data ainda possuía fornos e muflas de meados do século XIX.

Considera-se que esta fábrica de Coimbra foi a continuadora da Fábrica de Vandelli, que tinha falecido quase um século antes (1816) da sua fundação, considerado o percursor da Cerâmica de Coimbra dos séculos XVIII e XIX.

A partir de ano de 1965, a administração desta fábrica passou a ser desempenhada pela Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra.


2. Tentando caracterizar a sua fabricação:

A produção desta fábrica identifica-se pelos símbolos característicos que aplicava nas suas peças: corações, peixes, figuras falantes.

Isto é, transportou esses elementos decorativos utilizados no século XVI, para o Século XX, com a sua sistemática introdução nas peças que pintava, criando assim um conjunto se símbolos perfeitamente identificadores desta fábrica. É-lhe reconhecido o importante papel que desempenhou na divulgação da característica decoração da louça de Coimbra.

A policromia utilizada, com predominância dos tons amarelo, ocre, laranja, vermelho-escuro, castanho, azul, verde e verde-alface e verde-seco e a temática cromática também eram características e permite igualmente identificar a VAO.

O período mais significativo e importante do fabrico desta fábrica decorreu entre meados da década de trinta e o ano de 1965, quando a administração desta fábrica passou para a Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra.

As peças mais antigas que se conhecem desta fábrica são dois pratos, datados de 1937, reproduzindo uma figura típica da Cidade e uma paisagem inspirada nas tradicionais de Coimbra.

(Imagem da fonte 6)

A partir da década de houve uma alteração deveras significativa na produção desta fábrica: pois para além da produção, dita tradicional, começaram-se a efectuar faianças decorativas, inspiradas em peças das colecções do Museu Machado de Castro, em faianças com decoração inspirada em motivos orientais, do século XVII, bem como em faianças do Brioso, do século XVIII e as de Vandelli, do Século XIX/XX.



3. Tentando mostrar peças identificadoras desta Fábrica:

Vejamos, pois algumas:

3.1. Par de pratos com figuras típicas regionais, meados do século XIX, assinados pelo autor “Sousa” (fonte 1):


3.2. Travessa em faiança, pintura policroma em tons de azul e vinoso (manganés), com réplica de decoração característica do Século XVII, (fonte 1)

3.3. Prato grande, pintura monocromática, azul, com decoração de aranhões entre voluptuas em reservas, e com quadra no covo (fonte 2)




3.4. Caixa regaleira policromática com tampa (fonte 2)


3.5. Jarro com decoração monocromática réplica do século XVII (fonte 2)




3.6. Prato decorativo policromático alusivo à Casa dos Pescadores (do site de vendas COISAS)




3.7. Saladeira individual policromática, com decoração vegetalista (fonte 1)




3.8. Fruteira gomada policromática, com decoração vegetalista (fonte 1)



3.9. Paliteiro antigo, em tons de verde, na forma de um sapo (do site OLX)



3.10. Candelabro monocromático, em tons de azul réplica do século XVII (do site OLX)





4. Tentando caracterizar esta Fábrica:

A fim de tentar caracterizar esta fábrica, divulgando o que mais se souber da mesma, continuaremos com as pesquisas possíveis, com tal intuito, bem assim como coleccionando imagens de peças em faiança desta fábrica VAO, de Coimbra, a fim de tentar sistematizar o seu fabrico.

Para já e em forma de remate, mais umas imagens do peça ora apresentada.





FONTES:




4- Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX, de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007


6- Louça Tradicional de Coimbra, 1869-1965, de António Pacheco, Coimbra: Edição Museu Machado de Castro.




domingo, 4 de outubro de 2015

TAÇA “VIÚVA LAMEGO” COM DECORAÇÃO POLICROMA

Neste período estamos a dedicar-nos a pequenas peças, bastante interessantes, profundamente decoradas, em policromia, de diversos fabricos, características e identificativas dos mesmos.



A presente reporta-se a uma pequena taça, com duas pequenas asas, com intensa decoração.


O intradorso da taça possui uma cor de base azul claro e sobre a mesma um conjunto de círculos concêntricos, monocromáticos em azul-escuro de alguma espessura, sendo o ultimo circulo, o menor decorado com uma composição floral policromática, onde pontificam as cores verde-escuro, azul-escuro, vermelho e amarelo-torrado.


No extra-dorso da bordadura da taça, dois filetes, um mais fino e outro mais largo, na cor azul-escura.



A delimitar a bordadura outro filete largo na cor azul-escuro.



Entre os filetes da bordadura e o da base, quatro decorações policromáticas, semelhantes à do fundo do covo, duas de cada lado das mini asas da taça, as quais possuem uma decoração simples com um filete na cor azul-escura e umas contas, com cinco esferas, na cor amarelo-torrado.



No tardoz o carimbo da marca “VL” – Viúva Lamego e “MADE IN PORTUGAL” e o anagrama desenhado manualmente identificando o seu decorador “ASN.” (?) e “(1477), na cor vinoso.



Cremos tratar-se de peça fabricada em meados do Século XX, mais especificamente entre os anos trinta e 1992, quando a Fábrica era em Palma de Baixo, mas sem certeza absolutas.


Resumidamente pode-se acrescentar que a fábrica foi fundada por António da Costa Lamego, em 1849. Após a sua morte passou a designar-se comercialmente por "Viúva Lamego" - a Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego,  a qual ficava situada no Largo do Intendente, com a Avenida Almirante Reis, em Lisboa, onde permaneceu até aos anos trinta do século passado, sendo que daí até à actualidade funciona aí a Loja.



A Câmara Municipal de Lisboa em (4) caracteriza o edifício e a sua fachada da seguinte forma:

Este edifício com fachada voltada para o Largo do Intendente integra o conjunto de arquitectura industrial, que foi a Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. Construido entre 1849 e 1865,por iniciativa de António da Costa Lamego no local onde este abrira uma oficina de olaria, veio dar continuidade a uma antiga tradição dessa zona.

A fábrica, que adoptou o nome Viúva Lamego, após a morte do seu fundador, actualmente é propriedade de uma sociedade designada por Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego,Lda..

Classificado como Imóvel de Interesse Público, trata-se de um edifício, de estilo romântico, em 2 registos, com 2 janelas cada, no segundo piso surgem a ladear uma varanda, rematado por empena, rasgada por um óculo rodeado de grinaldas e pequenas figuras que seguram uma inscrição com a data da construção. 

De salientar a fachada decorada, na sua totalidade, por um revestimento azulejar figurativo do séc. XIX, de gosto romântico-revivalista, muito característico do seu autor, Luís Ferreira, mais conhecido por Ferreira das Tabuletas, pintor de azulejos proveniente das Fábricas da Calçada do Monte e Viúva Lamego. 

Trata-se de uma das obras-primas do azulejo "naif" oitocentista, incluindo as figuras alegóricas ao "Comércio" e à "Indústria", que surgem a ladear a entrada. Actualmente existe apenas a exposição e venda de azulejos, enquanto, que a parte fabril, onde são produzidos azulejos de grande qualidade, quer industriais quer artísticos, se mudou para outro local.



A Direcção Geral do Património Cultural caracteriza em (5) e em termos histórico/artísticos, o edifício da seguinte maneira:

A sua construção inicia-se em 1849, por iniciativa de António da Costa Lamego, e prolonga-se até 1865. Edifício de estilo romântico, situado na Avenida Almirante Reis, possui como elemento decorativo dominante um vistoso revestimento azulejar, que abarca a totalidade da fachada, da autoria de Luís Ferreira, o famoso Ferreira das Tabuletas, pintor de azulejos oriundo das Fábricas da Calçada do Monte e Viúva Lamego.

Edifício estruturado em dois registos, com duas janelas cada, que no segundo piso ladeiam uma varanda, tem como remate uma empena, rasgada por um óculo rodeado de grinaldas e pequenas figuras que seguram uma inscrição com a data da construção. O programa cerâmico revela o gosto romântico-revivalista deste pintor, considerado por José Meco um fascinante artista ingénuo de excepcional graça, que aqui assume uma tentativa romântica de recuperar a tradicional pintura figurativa e artesanal do azulejo polícromo sobre esmalte branco. 

No primeiro registo, os azulejos, de cromatismo predominantemente verde e amarelo, possuem um cunho orientalizante, corroborado pelas figuras que alegorizam a fábrica, segurando inscrições com o nome e a data de construção (1865), e também um teor mais classicizante patente nas duas outras representações deste primeiro registo. O revestimento azulejar do segundo registo é dominado por motivos essencialmente vegetalistas, inspirado nas albarradas barrocas. No remate, representam-se anjos segurando uma filactera comn a data da decoração, em pintura de tons amarelos.

É de notar que o imóvel assenta sob uma mina de água que abastecia o chafariz da Avenida Almirante Reis. S.C.P.”


Interessante peça de Faiança da Fábrica Cerâmica Viúva Lamego, da qual, infelizmente, nada mais conseguimos identificar e concretizar.


Fontes: