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domingo, 27 de dezembro de 2015

Bule da Fábrica de Louça de Sacavém, Formato Porto, decoração “Bolinhas Azuis”


A Fábrica de Louça de Sacavém foi uma fonte quase inesgotável de peças, com formatos, motivos e decorações, que foi fabricando ao longo dos muitos anos que laborou.

Com paciência, perseverança, de forma metódica e com uma sorte vamos conseguindo arranjar uma ou outra peça, diferente, fora dos padrões habituais, pouco corrente e assim vai aumentando a nossa colecção de peças da F.L.S.

É sempre com renovado prazer que percorremos feiras de antiguidades e de velharias, vamos a leilões, pesquisamos em ajuntadores ou visitamos antiquários, com o desejo de mais uma peça da F.L.S., para a nossa colecção, com motivo, decoração ou formato que não tenhamos. Para além do novo meio de pesquisa, em casa, que é a Internet.

(Bule em faiança da Fábrica de Louça de Sacavém)
Por outro lado, em dias ou épocas especiais, e quando a tradição leva as pessoas a dar uma “prendinha”, a família ou os amigos mais chegados e conhecedores do nosso vício, mimam-nos com mais uma peça de faiança para a nossa colecção.

 Foi o que aconteceu neste Natal, com a minha “velhinha” mãe a presentear-me com uma interessante peça da Fábrica de Louça de Sacavém: Um bule, moldado, com o formato Porto, com decoração “Bolinhas Azuis”, cujo motivo desconhecemos, mas em excepcional estado de conservação, sem a mínima beliscadura;

(O bule visto de cima e a simetria das bolinhas azuis da tampa)
Em termos formais, a presente peça de faiança moldada, possui uma forma globular/cónica, denominada formato “PORTO”, com uma pega lateral em forma de “C” e bico levemente contra-curvado, com rebordo superior circular para encaixe da tampa, cilíndrica, com uma bordadura saliente de encaixe e uma pega cilíndrica, central.

(O bule visto de cima - o bico, a tampa e a asa e a sua filetagem)

No que se refere à decoração, trata-se de uma decoração, simples e interessante, monocroma, azul, cremos estampilhada e manual, constituída por “Bolinhas Azuis” (estampilhadas por aerógrafo – pelo menos a degradação da cor nalgumas pintas a tal nos faz crer) e de filetagem, azul, sobre o vidrado, efectuada manualmente – cremos.

(A beleza do bule, com a tampa aberta, o orifício de respiração)

A decoração apresentada é a seguinte: a tampa do bule possui dois filetes monocromos azuis, entre os quais de desenvolvem oito bolinhas azuis, geometricamente posicionadas. A pega possui simplesmente um filete azul.

(A beleza do bule, visto de perfil)

O bojo do bule possui oito bolinhas de cada lado, entre a asa e o bico, formando cada quatro um losango; na base do bule, um filete azul, entre o bojo e a boca dois filetes, terminando a boca com outro filete azul.

(As bolinhas azuis do bule, dispostas em losango)

A asa possui uma filetagem manual e superiormente três “arranques” de filetes. O bico, de cada um dos lados possui um filete efectuado manualmente e sobre a boca do bico outros três” arranques de filete.

(A filetagem do bico)

(A filetagem da asa)

Cremos tratar-se de peça fabricada na década de 40 ou 50 do século passado, mas com uso ainda regular, nos chás das senhoras, no início da década de 60.

(A base ou o fundo do bule, com os carimbos e marcas)

O carimbo aposto na base do bule é estampada, na cor verde e correspondente ao período de Gilman & Cta. Ou seja o mais longo dos vários períodos de fabricação desta fábrica (1902 – 1970). Por baixo da marca a palavra PORTUGAL e as referências alfanuméricas “L” e “1290”, para além de um “hieroglífico” não identificável. No bordo da base vislumbra-se ainda uma marca, de três triângulos disposta em trevo, cuja interpretação não conseguimos fazer.

(O covo do fundo do bule com os carimbos e a marca)

(O carimbo e as demais referencias alfanuméricas)

(A marca do período de Gilman & Cta. - 1902-1970)

( A marca na pasta - três triângulos - ?)

Através da bibliografia disponível e da consulta on-line, as fontes 1) e 2) são as que mais informações nos dão em relação a estas peças: Bules da Fábrica de Louça de Sacavém.

Especificamente a fonte 2) indica-nos que: “O formato Porto encontra-se referenciado nas tabelas de preços publicadas entre 1932 e 1950, mas a sua produção iniciara-se já, certamente, antes da primeira data e continuou também certamente depois de 1950.

E acrescenta, que: “De acordo com a tabela de Setembro de 1949, este formato fabricava-se em quatro tamanhos  – 8, 10, 18 e 25 decilitros”.

O que apresentamos, corresponde ao tamanho de 25 decilitros.

Mais indica, e com bastante interesse, que: “Ainda segundo a mesma tabela, este formato produzia-se em branco e nas classes A (colorido sem ouro), B (colorido sem ouro) e C (colorido com ouro), com os seguintes preços  – 36$00, 40$00, 45$00 e 55$00, para o tamanho maior, e 13$50, 15$00, 16$50 e 20$00, para o tamanho mais pequeno. Embora tal não se encontre especificado, a diferença de custo entre as classes A e B dever-se-ia, provavelmente, a uma maior ou menor intervenção manual na decoração.

Na tabela de Janeiro de 1932 este modelo surgia nas quatro medidas, mas apenas em três classes  – branco, colorido sem ouro e colorido com ouro, com os seguintes preços  – 12$50, 16$50 e 18$50, para o tamanho maior, e 4$50, 6$00 e 7$50, para o menor.

Já na tabela de 1938 este modelo só se apresentava em duas classes  – I (colorido sem ouro) e II (colorido com ouro), comercializando-se apenas nos três tamanhos mais pequenos, com os seguintes preços  – 16$90,11$90 e 7$50, para a classe I, e 21$90, 13$10 e 9$30, para a classe II. Na classe I o serviço de 19 peças estava tabelado a 77$50 e na classe II a 93$50. Nesse ano, para este formato, ofereciam-se serviços de 19, 16, 10 e 9 peças.

Como já verificámos a produção de bules pela Fábrica de Loiça de Sacavém, desenvolveu-se sempre ao longo da sua produção, acompanhando a evolução dos formatos e das decorações.

As decorações com motivos geométricos, quer simples, compostas ou estilizadas, com recurso a filetagem, pode ser encontrada com maior incidência na produção das décadas de 30, 40, 50 e mesmo 60, do século passado, da Fábrica de Loiça de Sacavém, com o recurso a diversas técnicas de decoração (pintura manual, estampilhas, decalques, estampas e aerógrafo).

(O nosso bule)

Ainda me recordo no início da década de 60, do século passado, quando havia o chá, com “certas” pessoas, com quem se fazia “cerimónia”, a minha avó ou mesmo a minha mãe iam buscar o serviço de chá “das bolinhas” azuis”, para presentear as visitas com um chá.

Certamente alguns de vós se recordarão desta faiança de Sacavém, infelizmente desaparecida, e que raramente aparece nas feiras de velharias, pois o seu uso intenso, o desgaste pelo tempo e pelas “modernices” veio provocar a sua deterioração e o arremesso para o lixo.

(A beleza do bule)

Coleccionar faianças é conservar com compaixão o seu passado, para que no futuro sejam conhecidas, estudadas e que fique a memória das mesmas, das fábricas que as produziram e dos artífices e operários que durante décadas e séculos trabalharam para as produzir. 

Para que a memória das Artes Decorativas de Portugal perdure.

Mais um pequeno e simples contributo da nossa parte!


Fontes:







7) -  “150 Anos – 150 Peças – Fábrica de Loiça de Sacavém” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Março de 2006;

8) – “Fábrica de Louça de Sacavém – Contribuição para o estudo da indústria cerâmica em Portugal 1856-1974” de Ana Paula Assunção, Colecção História da Arte – Edições INAPA – 1997;

9) – “Porta aberta às memórias” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2008;

10) - “Porta aberta às memórias” – 2ª edição, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2009;

11) – “Primeiras peças da produção da Fábrica de Loiça de Sacavém: O Papel do Coleccionador”, de Ana Paula Assunção, Carlos Pereira e Eugénia Correia, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – 2003;

12) – “História da Fábrica de Loiça de Sacavém”, de Ana Paula Assunção e Jorge Vasconcelos Aniceto, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Julho de 2000;

13) – “Roteiro das Reservas”, de Ana Paula Assunção, Carlos Pereira e Joana Pinto, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – 2000 (?);

14) –“Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, com Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença – 3ª Edição – 1987;


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Mais um Prato da Fábrica de Louças de Sacavém, com decoração vegetalista


(Prato da FLS - motivo vegetalista desconhecido) 
A Fábrica de Louças de Sacavém foi uma fonte quase inesgotável de motivos e decorações aplicadas nas faianças de efectuou, ao longo dos muitos anos da sua produção, com especial ênfase para o seu período mais longo, o Gilman & Ctª, correspondente ao período temporal de 1921-1970.
 

(Pormenor do motivo vegetalista)
Para além das decorações mais conhecidas, que correspondem a padrões mais ou menos anglófonos, ou a interpretações livres dos mesmos, houve muita outra decoração, alguma relativamente escassa, em especial as decorações vegetalistas que são importantes e que se devem memorizar, pois não lhe dão o valor merecido, como ao “Cavalinho”, ao “Cartão”, ao “Reino”, ao “Rio”, ao “Beira”, entre outros mais e vão-se perdendo irremediavelmente, devido também à sua escassa produção.
 

(Pormenor de motivo vegetalista e do filete de bordadura da aba)
Exemplo disso é o prato raso que apresentamos com uma interessante triplica decoração policromática, em tons de grená, estampada na aba, que se prolonga um pouco até ao covo, com decoração vegetalista, arranjos florais. Possui um filete igualmente grená de bordadura na aba.
 

(Pormenor do tardoz do prato)
Trata-se de um prato com um carimbo, na cor verde, que reporta ao período de Gilman & Ctª, correspondente ao período temporal de 1921-1970.
 

(Pormenor do Carimbo da FLS identificativo do período e de caracteres alfanuméricos)
Por outro lado, possui também uma referencia alfanumérica na pasta “ 52 – 345(?) -..ACAVE.. (?), associadas ao período temporal de fabrico e à peça em si, cujo motivo especifico desconhecemos.
 

(Marca da FLS correspondente ao período de 1921-1970)
Para conhecimento de todos aqui fica a postagem, continuamos a tentar desvendar o nome deste motivo.


FONTES:

1) – “Fábrica de Louça de Sacavém – Contribuição para o estudo da indústria cerâmica em Portugal 1856-1974” de Ana Paula Assunção, Coleção História da Arte – Edições INAPA – 1997;

2) – “150 Anos – 150 Peças – Fábrica de Loiça de Sacavém” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Março de 2006;

3) – “Porta aberta às memórias” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2008;

4) - “Porta aberta às memórias” – 2ª edição, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2009;

5) –“Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, com Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença – 3ª Edição – 1987;





segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Prato da Fabrica de Louça de Sacavém – motivo “LEQUES”


(Prato da FLS - Motivo LEQUES)

A faiança da Fábrica de Louça de Sacavém não nos deixa de surpreender continuamente, pois cada dia aparece mais uma peça, com um motivo desconhecido e com uma aparência, que caso não fossem as marcas não se desvendava facilmente a sua origem.


(Pormenor da decoração principal - Motivo LEQUES)

Tudo isto a propósito do prato raso que apresentamos: pela aparência, textura, cor e motivo nos levava a encaminhar para um fabrico da Fábrica de Louça de Alcântara, da faiança dita “à Ingleza”.


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - tardoz )

Quando na realidade se trata de uma peça da Fábrica de Louça de Sacavém, do período de 1865-1870, devido ao carimbo na cor sépia, correspondente a esse período (da Real Fábrica), para além da gravação na massa da marca correspondente ao período de 1880-1885, e ainda um símbolo marcado também na massa – uma estrela.


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - tardoz- Carimbo e Marcas )


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - tardoz- Carimbo da Real Fábrica 1865-1870 )

(Prato da FLS - Motivo LEQUES - tardoz- marcas do período de 1880-1885 (?) )

Pela decoração que apresenta, cuja composição maior, que preenche a ba e parte do covo, com canas de leitos de água são exibidos dois leques, um com folhas de nenúfar e outro com um ganso, na água com exuberante vegetação aquática a tardoz do mesmo.


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - pormenor) 

A decoração deste prato completa-se com mais duas composições mais pequenas, uma com trancas laçados e um elemento floral e outro com trancas pregados e também com um elemento floral entre as trancas.


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - pormenor  de decoração secundária) 


(Prato da FLS - Motivo LEQUES - pormenor  de decoração secundária)
Foi a fonte (2), que em primeira mão me permitiu desvendar este motivo, através de uma travessa rectangular oitavada que apresentou, na qual o motivo estava identificado abaixo da marca “LEQUES”.


(Travessa da FLS - Motivo LEQUES - peça que permitiu identificar o motivo da nossa - Fonte 6)

Trata-se na verdade um motivo pouco usual, muito antigo, e provavelmente para rivalizar com o motivo de igual nome que era produzido pela Fábrica de Louça de Alcântara.


(Prato da FLS - Motivo LEQUES) 


Fontes:

1) – “Fábrica de Louça de Sacavém – Contribuição para o estudo da indústria cerâmica em Portugal 1856-1974” de Ana Paula Assunção, Coleção História da Arte – Edições INAPA – 1997;

2) – “150 Anos – 150 Peças – Fábrica de Loiça de Sacavém” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Março de 2006;

3) – “Porta aberta às memórias” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2008;

4) - “Porta aberta às memórias” – 2ª edição, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2009;

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A importância de S. J. Benchaya na Faiança Portuguesa - F. L. S.


1. Em jeito de preâmbulo:

Já diversas peças de faiança, de fabrico da Fabrica de Louça de Sacavém, nos passaram pelas mãos e em apreciação, com um curioso carimbo verde circular com as indicações “S. J. BENCHAYA”, “FABRIQUÉ AU PORTUGAL” e “CASA BLANCA”.




Correspondem a peças produzidas em Portugal e que foram importadas para comercialização em Marrocos, pelo importador S. J. Benchaya.

Agora, na presença, de mais duas, uma uma tigela gomada, de decoração manual e simples, a duas tonalidades, e de um prato de covo acentuado, com decoração policromática, com um arranjo floral e um trecho de campo com uma esbelta ave, foi o mote para esta análise, da importância do marroquino J. S. Benchaya na Faiança Portuguesa.


2. Procurando enquadramento:

As décadas de 30 e 40 do século passado corresponderam a uma fase de grande expansão da Fábrica de Louça de Sacavém, pois à época era reconhecida a qualidade dos produtos que fabricada.

Tanto pobres como ricos, ambos tinham e utilizavam peças da Fábrica de Louça de Sacavém, e nas ruas, nos prédios e nos estabelecimentos, quer fossem talhos, padarias, leitarias, farmácias, tabernas ou outros; todos utilizavam materiais e peças produzidas pela Fábrica de Louça de Sacavém.

O mercado era vasto, a nível nacional; para além dos particulares eram os hotéis do continente, mas também os da Madeira, Açores, Angola e Moçambique.

Havia  também destino certo para o norte de África – Casa Blanca; com a Casa S. J. Benchaya; mas até para o Brasil foi exportada louça, tal como para todo o mundo e em especial para as colónias inglesas, com as embalagens do chá Lipton.

Na verdade, na década de 30 e mesma na de 40, do século passado, Marrocos era o principal mercado de exportação para a faiança nacional, em especial a da Fábrica de Louça de Sacavém, com quem tinha estabelecido um protocolo comercial.

Digamos que era o distribuidor da louça da Fábrica de Louça de Sacavém em Marrocos. Refira-se que habitualmente essas peças não possuíam qualquer marca identificando o fabrico ou possuíam uma marca, discreta, incisiva na pasta que identificava a Fábrica de Louça de Sacavém, uma indicação alfanumérica, “GO52”, no prato que apresentamos, e “SACAVEM”.

Foram produzidos, cremos; serviços, bem como peças avulsas, como pratos, malgas, tigelas, saladeiras, … em que a decoração, variada, em motivos e em cores, mas dedicada a esse mercado.

(Malga antiga com carimbo S. J. Benchaya - Fonte Internet - CustoJusto)

(Malga antiga com carimbo S. J. Benchaya - Fonte Internet - CustoJusto)
(Carimbo S. J. Benchaya em malga antiga - Fonte Internet - CustoJusto)
Contudo, algumas dessas peças foram comercializadas em Portugal, por razões que não conseguimos ainda desvendar, sendo que essas peças se encontram, ainda com alguma frequência em casas antigas, principalmente a sul do país, em especial no Alentejo e no Algarve.

O citado carimbo verde só era aplicado nessas que se destinavam exclusivamente ao mercado marroquino, para a casa comercial de S. J. Benchaya, em Casa Blanca, desconhecendo-se assim qual a justificação para a sua comercialização à época no mercado nacional a sul. Eventualmente sobras de encomendas, mas por que razão só comercializadas no sul do país?


3. S. J.  Benchaya, quem era?

Consta que o marroquino S. J. Benchaya era um industrial judeu estabelecido na cidade de Casa Blanca, com uma ampla visão para o negócio e consequentemente para a possibilidade de enriquecer.

À época, estamos a falar de finais da década de 20, década de 30 3 inícios da década de 40, do século passado, o mesmo apercebeu-se da procura de peças, objectos e utensílios, por parte das classes locais mais privilegiadas ou com mais possibilidades económicas, dentro de um padrão em consonância com os gostos ou tendências europeias, à época, mas que de alguma forma fossem ao encontro da estética nacional – em suma de peças menos tradicionais, dentro do gosto marroquino, mas com as influências europeias à época.

(Malga - F.L.S. para S. J. Benchaya - Fonte 1)
(Carimbo da Malga - F.L.S. para S. J. Benchaya - Fonte 1)
Uma das procuras era as peças de faiança, mas que em Marrocos não se fabricava este tipo de louça, por falta de matéria-prima adequada, pelo que S. J. Benchaya, viu nas mesmas uma oportunidade de negócio e de enriquecimento, tendo por tal facto estabelecido o acordo comercial com a Fábrica de Louça de Sacavém.

(Prato- F.L.S. para S. J. Benchaya - Fonte 3)
(Prato- F.L.S. para S. J. Benchaya - Fonte 3)
(Prato- F.L.S. e carimbo S. J. Benchaya - Fonte 3)

No sentido de obter maior comercialização e de ir ao encontro do gosto marroquino, à época, S. J. Benchaya cria decorações próprias, originais, ao gosto e dentro do espírito marroquino, mas simultaneamente com características de contemporaneidade europeia.

(Prato Estampado- F.L.S. com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 5)

Crê-se que já no início do Século XX, o eventual pai de S. J. Benchaya; M. Benchaya, já tinha estabelecido um acordo comercial com a Fábrica de Louça de Sacavém, para importação de louça utilitária, em faiança, para Marrocos. A confirmar-se esta situação, S. J. Benchaya, mais não fez que desenvolver o acordo comercial da sua família com a Fábrica de Louça de Sacavém.


4. E as peças utilitárias em Marrocos?

Até meados do Século XIX, em termos de utilização de peças utilitárias, em faiança, porcelana ou mesmo barro, Marrocos era um país de elevado contraste: a maioria do seu povo nada utilizava, enquanto as casas e famílias aristocratas usavam porcelanas da China.

Por outro lado não havia qualquer produção nacional, mesmo que de louça tradicional, pelo que em meados desse Século XIX, a partir de 1840, e devido às influências ocidentais, europeias, Marrocos tornou-se ávida de outro tipo de louça, ocidentalizada, burguesa, mais sofisticada e de melhor qualidade que a louça tradicional então produzida e de muito menor custo que a louça do Oriente, o que motivou um aumento de procura da mesma.

Para fazer face a esta crescente procura marroquina, algumas fábricas europeias criaram modelos com decoração “oriental”, para corresponder à mesma. Fábricas, como as francesas Montereau, Gien e Sarreguemines, inundaram o mercado marroquino com pratos, taças, tigelas e outras peças, com decoração de crescentes, luas e estrelas, mas também com a introdução de motivos mais ocidentais.

Mas a fábrica inglesa Spode também comercializou muita louça para Marrocos – digamos foi mais uma das várias fábricas europeias, que originaram a exportação de milhares de peças de cerâmica destinados para uso diário para países muçulmanos, situação ocorrida no período, desde por volta de 1840 até a década de 1930.

Foi pois neste contexto que surgiu S. J. Benchaya, na intenção de criar uma linha de produção mais ao gosto marroquino, com padrões que mais se identificassem com a sua cultura e valores, e rivalizando com os demais exportadores, pelo que optou pela fabricação dessas peças, em faiança, em Portugal, na Fábrica de Louça de Sacavém, dando indicações, modelos de decoração, de desenhos e figuras geométricas ao gosto marroquino e de uma palete de policromia (decoração geométrica em policromia), também ao gosto do país.

Cremos que numa primeira fase, S. J. Benchaya, ainda mandou produzir peças, à Fábrica de Louças de Sacavém, com decoração ao gosto do ocidente ou europeu, para concorrer em termos comerciais com as produções de outras fábricas europeias, já citadas e que se encontravam a exportar para Marrocos. Consideramos que o prato que apresentamos é um exemplo disso.


5. Decoração das peças de S. J. Benchaya:

As peças com carimbo S. J. Benchaya apresentam uma decoração particular, pesem embora transmitam alguns traços ocidentais, europeus, mas a gramática decorativa é mais ecléctica. Há um orientalismo geométrico, notário, pese embora com ornamentações que se poderão considerar de raiz marroquina, mas sem deixar de apresentar listas e frisos, algo ao gosto Art Nouveau, da época.

As cores usadas são geralmente fortes e em contraste, e as figuras geométricas predominam, bem como traços, listas e filetes.

É evidente nestas peças da Fábrica de Louça de Sacavém com carimbo S. J. Benchaya, entre 1920 e 1940, destinadas à exportação para Casa Blanca – Marrocos, a tentativa de criar um produto que não fosse pura e simplesmente a interpretação europeia do design islâmico, mas em que se procurou criar modelos influenciados pela cerâmica tradicional marroquina e pela Art Deco Europeia, à época, tendo como base fortes elementos geométricos, com cores fortes.

No entanto, para um melhor conhecimento das peças fabricadas, da sua forma, decoração, motivo e cromia, para além da sua apresentação e evolução temporal, apresentamos um conjunto de imagens das mesmas reproduzidas das fontes citadas.

(Taça monocroma a azul, de flores estilizadas alternadas com reservas
contendo motivos reticulados e contas, com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 7)
(Tigela com decoração policroma, com composição geométrica
estilizada a azul e a amarelo  com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 7)

(Tamborete com decoração policroma, com motivos geométricos estilizados,
 evidenciando decoração com influência árabe  com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 7)
(Pote para gordura (manteiga?) com decoração policroma, com cercadura central de reservas polilobadas,
 com composições florais inseridas, contornadas por dois frisos com motivos reticulados 
com carimbo S. J. Benchaya
 - Fonte 7) 
(Prato decorativo, com decoração policroma de composição floral estilizada, deslumbrante
e com forte influência árabe com carimbo S. J. Benchaya  - Fonte 7) 

Nalgumas peças é perfeitamente notório o que indicámos, ou seja a forma, decoração e cromia ao encontro do gosto e genuinidade marroquina, ou seja decoração e cromia com influência árabe.


6. Voltando às nossas peças:

A nossa tigela, de formato Meia-cana possui uma decoração, simples, efectuada manualmente, constituída por dois filetes finos um na bordadura da boca e outro no covo da base, ambos a preto, e um filete largo, a azul celeste após o filete da bordadura.


Lateralmente de modo a realçar os gomos, linhas curvas e segmentos de linha, a preto.


Pese embora de trate de uma peça, provavelmente, do período de fabrico de 1920 a 1940, o formato desta peça só vem referenciada no Catálogo de Formatos de Loiça Doméstica, da fábrica de Sacavém, de Maio de 1950.

(Tigela formato meia-cana - F.L.S. - anos 50 - Fonte 1)

Por outro lado, na Tabela de Preços da Fábrica de Louça de Sacavém de 1932, este formato não vem referenciado, mas sim os formatos Douro, Francez e Liso, provavelmente porque o mesmo não se destinava ao mercado nacional mas para exportação para Marrocos.

(Tigela formato meia-cana - F.L.S. - anos 50 - Fonte 1)
(Carimbo da Tigela formato meia-cana - F.L.S. - anos 50 - Fonte 1)
(Outras tigelas F.L.S. com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 4)

Quanto ao prato, covo de covo acentuado, policromático com interessante decoração, ao gosto ocidental ou europeu, com duas composições, uma simplesmente floral e outra com um trecho da natureza onde sobressai uma interessante e esbelta ave, com uma plumagem deslumbrante. Na bordadura da aba possui um filete na cor azul.






Prato com formato interessante, com covo acentuado, sopeiro não seria, pois em Marrocos não de come sopa, e raso não seria igualmente necessário, pois à época, não comiam conduto, pelo que o prato teria a formato apropriado para se comer o célebre couscous, eventualmente com carne de ovino, com a característica gordura a saber ou com aroma a ranço, comida essa simplesmente com as mãos. 

Outras peças similares identificadas na Internet:

(Prato estampado monocroma da F.L.S. com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 4)
(Carimbo S. J. Benchaya no prato estampado monocroma da F.L.S. com  - Fonte 4)
(Prato fundo, motivo floral, policroma da F.L.S. com carimbo S. J. Benchaya - Fonte 1)
(Carimbo S. J. Benchaya em Prato fundo, motivo floral, policroma da F.L.S.  - Fonte 1)
(Prato fundo F. L. S. com carimbo S. J. Benchaya - Fonte Internet - OLX)
( Carimbo S. J. Benchaya em prato fundo F. L.S. - Fonte Internet - OLX)

7. Carimbos das peças comercializadas por S. J. Benchaya:

Conhecem-se dois carimbos, diferentes, para as peças que eram comercializadas por S. J. Benchaya, ambos monocromáticos verdes, mas um com forma elíptica com as indicações “S. J. BENCHAYA”, superiormente e “CASA BLANCA”, inferiormente, com um pequeno elemento separador central.

(Marcas específicas da F.LS - S. J. Benchaya.- Fonte 8) 

O outro, mais conhecido e que pensamos ser o último, mais moderno, com uma forma circular, com a indicação superior a acompanhar o círculo “S.J.BENCHAYA” e inferiormente “FABRIQUÉ AU PORTUGAL”, e no centro “CASA BLANCA”, com uma pequena composição geométrica colocada superior e inferiormente à mesma.

(Marcas específicas da F.L.S. - S. J. Benchaya - Fonte 8)


8. Em laia de conclusão:

Aqui fica um pequeno apontamento sobre a influência e a importância que o marroquino S. J. Benchaya teve para a faiança portuguesa, especificamente, para a Fábrica de Louça de Sacavém. 


Fontes:


2) – “A Cerâmica Portuguesa”, de Pinto Basto, João Theodoro Ferreira, Sociedade de Geografia de Lisboa, Tipografia da Empreêsa do Anuário Comercial, 1935;




6) - Fábrica de Louça de Sacavém – Contribuição para o estudo da indústria cerâmica em Portugal 1856-1974” de Ana Paula Assunção, Coleção História da Arte – Edições INAPA – 1997;

7) – “150 Anos – 150 Peças – Fábrica de Loiça de Sacavém” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Março de 2006;

8) – “Porta aberta às memórias” – Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2008;

9) - “Porta aberta às memórias” – 2ª edição, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Setembro de 2009;

10) – “Primeiras peças da produção da Fábrica de Loiça de Sacavém: O Papel do Coleccionador”, de Ana Paula Assunção, Carlos Pereira e Eugénia Correia, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – 2003;

11) – “História da Fábrica de Loiça de Sacavém”, de Ana Paula Assunção e Jorge Vasconcelos Aniceto, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – Julho de 2000;

12) – “Roteiro das Reservas”, de Ana Paula Assunção, Carlos Pereira e Joana Pinto, Museu de Cerâmica de Sacavém – Câmara Municipal de Loures – 2000 (?);