sábado, 4 de julho de 2015

LINDA TAÇA TRIPÉ OAL – OLARIA DE ALCOBAÇA, LDA.

Linda taça, de bordadura gomada, de covo acentuado, com tripé de apoio, decorada também pelo tardoz, com decoração dita de Louça (artística) de Alcobaça, em que o azul era a cor predominante com marca manual “OAL”, “ALCOBAÇA” e “M” – a identificação da artista, a “Maria”, do acabamento.

(A taça - vista geral de frente)
(A decoração floral central)
(A tripla decoração floral lateral e a decoração de bordadura em azul forte)
(A taça vista de tardoz, decorada com um triplico arranjo floral e o tripé de apoio)
(A marca no tardoz: OAL, ALCOBAÇA e a sigla M)


1. Um pouco de história da OAL:

A propósito da OAL – Olaria de Alcobaça, Lda. e historiando um pouco, há a recordar que a mesma foi fundada em 1927, por Silvino Ferreira da Bernarda, um dos seis filhos de Manuel Ferreira da Bernarda, António Vieira Natividade e seu irmão, professor, Joaquim Vieira Natividade, e veio a encerrar em 1984.

Começou a laboração com seis operários e tinha como meios de produção: dois fornos, oito rodas de oleiro, um moinho de bolas para moer vidro e um motor de combustão interna de um cavalo de força.

Desde o início da sua actividade, que se dedicou ao fabrico de louça utilitária, de uso doméstico, produzindo peças que replicavam o estilo Coimbrão.

As peças eram decoradas pela técnica da estampilha, bem como pela pintura à mão ou então pelos dois processos em simultâneo.

Por volta de 1928 a fábrica OAL dá início à produção de várias réplicas de louça antiga.
 
(O logótipo da Fábrica na Fachada Principal)
Em 1935, época em que produziu com qualidade, apresenta algumas das suas melhores peças na exposição "Lisboa Antiga" e executa a sua centésima fornada.

Consta que por volta de 1939 ingressam as primeiras mulheres no quadro do pessoal da fábrica, para a secção do acabamento (pintura), como aprendizes – as denominadas serventes.

Em 1944 procede-se à instalação de um terceiro forno para possibilitar o aumento da produção e a partir de 1946 ocorre a fase de maior comercialização, a par com o aumento das exigências de mercado que provocaram a necessidade de transformação dos processos fabris.

Adoptou-se a faiança de pasta branca e a progressiva mecanização das instalações, com a consequente redução da mão-de-obra.

Por volta de 1947 na fábrica trabalhavam cerca de quarenta operários.
 
(A peculiar fachada da fábrica com o seu logótipo)
No ano seguinte (1948) procede-se à ampliação da fábrica bem como à alteração do seu processo produtivo, em que o barro, a matéria-prima principal, é substituído pelo pó de pedra (pasta branca) e em que a pintura é aplicada sobre a chacota cozida sendo posteriormente vidrada.

Em 1959 procedeu-se à construção de novo edifício e à alteração dos existentes, adaptando-se às necessidades e aos novos processos de produção.
 
(A austera imagem da fachada lateral da fábrica)
João da Bernarda aplicou nesta fábrica os ensinamentos estéticos de cerâmica artística, aprendidos em Paris, e inicia uma linha de peças decorativas, que foram expostos na 1ª Feira Industrial de Lisboa. As  peças expostos vieram a distanciar-se claramente do protótipo português e popular, bastante diferente do que era a designada “loiça de Alcobaça”.

Na década de 60 foi influente e preponderante a intervenção de Mário Tanqueiro, na contratação e gestão do pessoal, o qual viria mais tarde, no final dessa década a intervir na então criada SPAL – Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, Lda., em que a OAL foi uma das empresas fundadoras da mesma.

Nas décadas seguintes, a produção começa a reduzir-se e a fábrica começa a definhar, vindo a encerrar definitivamente em 1984.



2. A Localização da OAL:

Situava-se próximo do Rio Côa, junto à sua margem direita e estava implantada no perímetro da antiga cerca conventual do Mosteiro de Alcobaça.

Estava implantada próximo de um edifício de construção recente (um hotel), e em que o seu alçado lateral esquerdo estava delimitado por um arruamento de acesso à urbanização do Lameirão.

Por outro lado, o alçado a tardoz (posterior) desenvolvia-se em paralelismo com a margem direita do rio Alcoa, a uma distância de cerca de 200 metros, sendo que a sul, se situava o Mosteiro de Alcobaça.

Na verdade, era um edifício característico, em especial a sua fachada, sendo que foi o primeiro edifício fabril deste género em Alcobaça e por onde passaram gerações de trabalhadores, alguns a sua vida inteira de trabalho.



3. O que fabricava a OAL:

Desde o seu início de fabricação que foi uma fábrica inovadora, quer no seu processo produtivo, quer nos motivos decorativos.

No que se refere ao processo produtivo, criaram (réplicas) peças tendo como base a inspiração na cerâmica portuguesa dos séculos XVII, XVIII e XIX, recorrendo ao desenho de peças existentes nos museus e até mesmo em colecções particulares.
 
(Prato monocromático azul inspirado em modelo do século XVII)
 (Peça do Museu Nacional do Azulejo)

(Pratos pintados a azul e manganês, com motivos inspirados na cerâmica do século XVII de Lisboa. Com sigla de José Pedro e António da Natividade)
(Apresentados no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
(Jarra rodada pintada na cores azul, manganês e amarelos, inspirada em motivos na Cerâmica do século XVIII, com sigla de Alberto Anjos)(Apresentada no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
(Canudos, pintados na cor azul e manganês; e azul amarelo, verde e manganês, ambos com a sigla José Pedro - Período 1927-1947)(Apresentados no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
Em relação aos motivos decorativos, foi frequente o uso de figuras humanas e de quadras, de inspiração pura coimbrã – louça ratinha – loiça ratinha – assim denominada por ser vendida a preços módicos aos trabalhadores das Beiras, que se deslocavam sazonalmente para o sul do país para auxiliarem nas actividades agrícolas - com origem em Coimbra, com grande circulação em finais do século XIX e início do século XX, dará origem a peças de gosto e manufactura popular de poderosa expressividade– fonte 7).

Na verdade esta fábrica iniciou um autêntico período de renovação da produção cerâmica, tendo provocado a requalificação técnica e artística da cerâmica, quer com cópias de peças antigas, quer com apostas em  peças modernistas, especialmente até 1947. 

Na verdade, na década de 1930 e nos primeiros anos de 1940, as peças da Olaria de Alcobaça tiveram muito sucesso junto dos mercados brasileiro e americano, começando a declinar a partir de 1948, quando as imposições dos compradores prevaleciam, não se impunham modelos estéticos com qualidade e a degradação da fábrica iniciava-se. 

Um dos factores para a renovação da produção cerâmica, foi o surgimento das peças de autor.

O pintor naturalista Martinho da Fonseca (1890-1972)  e o aguarelista Jorge Maltieira  (1908-1994), foram os primeiros a assinar as suas peças. Mais tarde outros pintores de cerâmica também assinaram as suas peças, como: Joaquim Natividade, Irene Natividade, Leonor Natividade, José Pedro, Silvino da Bernarda, Alberto Anjos, Arnaldo Marques e Noel Costa. 

(Jarra rodada com pintura policroma a azul, manganês, amarelo e verde, com sigla de Noel Costa, depois de 1935)(Apresentada no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
(Jarra rodada com pintura monocroma a manganês, com sigla de Alberto Anjos)(Apresentada no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)

É frequente a representação denominada "compota de ginjas", pratos decorados com “rendas” e corações trespassados.

(Saladeira montada com decoração policroma a azul, verde e manganês, com inspiração na cerâmica lisbonense do Monte Sinai)(Apresentada no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)

Outras peças, também pintadas a azul e branco, apoiaram-se em modelos cerâmicos de finais do século XVII e inícios do século XVIII, produzidos em Lisboa, os quais possuíam cercaduras de acanto e cenas centrais com veados, cães e paisagens com motivos arquitectónicos.

(Prato com decoração pintada e esponjada, nas cores azul, amarelo e manganês, inspirada na loiça "ratinha" de Coimbra)  (Apresentado no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)

Algumas das peças iniciais da Olaria de Alcobaça, da dita de cerâmica ornamental, indiciavam já para uma renovação na forma e no tipo de peças - jarras, potes, bases de candeeiros, pratos decorativos; bem assim como na temática decorativa, naturalista, com fantasiosas elaborações de desenho.

(Tinteiro em faiança moldada com pintura policromática, a azul, amarelo e manganês)(Apresentado no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
As formas eram bastante simplificadas, com volumes esféricos e cilíndricos, e até volumes rectos, prismáticos e piramidais.

A decoração era envolvida por motivos vegetalistas, em registos naturalistas, preenchendo a quase totalidade das peças ou delimitando-as em barras bem traçadas, separadas pela intensa policromia aplicada ou pela escala dos motivos. 
(Cajirão em faiança rodada, com decoração policromática nas cores azul, verde, amarelo e manganês, com a sigla de José Pedro)(Apresentado no documento: Museu Nacional do Azulejo (2001) - Cerâmica de Alcobaça de João da Bernarda (1875-1947)
Como matéria-prima principal utilizaram o barro dos Capuchos, que após a cozedura ficava com um característico aspecto rosado; o qual mais tarde foi substituído por pasta branca calcítica.

Na decoração a cor predominante era o azul, num tom suave, em toda a peça, constituindo assim a sua “base” e a restante decoração em tons de azul mais forte, para além dos amarelos, amarelos-torrados, vermelhos, verdes e outras cores compostas.

(Prato com decoração policromática, motivo floral - Fonte 5)

Os motivos das decorações eram essencialmente florais, com interessantes arranjos policromáticos, que geralmente se repetiam na peça, em função da sua configuração.

Numa fase posterior fabricou também peças em que deixou de ser aplicada a cor azul, mas outras, sendo usada a cor creme para base de toda a peça e dourados, em especial no motivo ATHENA.

(Jarra com decoração ATHENA - Fonte 5)

Os pratos decorativos, de pendurar, recortados ou reticulados constituíram também peças muito recorrentes e interessantes, muitos deles com as célebres quadras.

(Prato recortado, com quadra e decoração policromática - Fonte 5)

Tanto nestas peças como noutras, tais como nos fruteiros, a pintura era sempre manual, sob o vidrado, com motivos florais ou vegetalistas, com recurso aos azuis fortes – a azul-cobalto.

(Fruteiro recortado ou rendado, com decoração policromática - Fonte 5)
Tal como já se disse, no período final da produção da OAL, foram produzidas outras peças, com forma e decoração muito diferente do seu habitual, característico das décadas de 30 e 40 do século passado. Vejam-se alguns exemplos:

- Jarra bojuda de base creme cm filetes dourados e decorações florais, sob o tema de groselha, com ramos, folhas e frutos, pintados nas cores verde-seco e castanho, sob o vidrado, com retoques a dourado sobre o vidrado.

(Jarra bojuda, rodada, com decoração policromática - Fonte 5)
Este tipo de decoração evidencia claramente a adaptação da produção da fábrica às exigências do mercado, em especial o de exportação, mantendo, contudo uma decoração manual especializada; a qual foi gradualmente abandonada ao longo do tempo e que provavelmente também contribuiu para o declínio e encerramento desta fábrica.


Nas décadas de 60 e 70, e mais uma vez indo ao encontro das exigências de mercado, ao gosto à época e ao tentar vender o que seria fácil, com o aproveitamento de peças semelhantes da concorrência, também produziu peças fora da decoração habitual desta fábrica, como é o caso da chávena e pires que se apresenta de imediato:
 
(Chávena e pires com decoração floral estilizada policromática - Fonte 5)
Com recurso a uma decoração simples, tipo borrão e revivalista, com cores fortes e quentes.

Deve-se a Ferreira da Silva, em parte a inovação havida nas formas, com a execução de peças criativas em rotura com a produção corrente das fábricas de cerâmica.


4) Outras peças nossas já catalogadas:

Provavelmente das décadas de 40 ou 50, ou mesmo do início dos anos 60, outras peças que caracteriza a produção desta fábrica, a sua evolução e adaptação aos tempos, são algumas que já foram apresentadas e que reproduzimos aqui:

- Taça em faiança “Lembrança Praia Monte Gordo):

(Taça com decoração de "Lembrança" - Fonte 8)
- Pequeno prato com decoração “Saloia”:
 
(Pequeno prato com decoração policromática, motivo regional "Saloio" - Fonte 8)
- Prato covo com decoração floral:

(Prato covo, com decoração policromática, motivo floral - Fonte 8)
Exibimos também uma pequena tacinha gomada e de bordadura recortada, com decoração policromática de motivo floral, provavelmente dos anos 30:




5: O que restava em 2011 da OAL:

Em finais de 2011, o que restavam da fábrica da OAL é o que se exibe:

 
(Enquadramento da Fábrica da envolvente edificada)

 
(A carismática e austera fachada da fábrica)
 
(O interior da fábrica deplorável!)

6. Em jeito de conclusão:

A inventariação e apresentação de mais uma interessante peça de faiança, esta o tipo de Louça de Alcobaça, mais propriamente da OAL – Olaria de Alcobaça, Lda., foi o mote para uma breve apresentação desta fábrica e do seu fabrico.


Fabrico esse que teve uma significativa evolução ao longo do tempo, apresentando períodos perfeitamente distintos, em termos de qualidade, de decoração, com a continuada redução da mão-de-obra, e a consequente desvalorização das respectivas peças, deixando a louça artística e enveredando pela louça utilitária, de uso doméstico, mais pobre e menos elaborada na decoração.

(A aba recortada, com a decoração espinhada em azul forte e a decoração floral policromática)


De algo modo ilustra o percurso de outras fábricas de faiança existentes no século passado e que vieram a encerrar no final do mesmo ou no início do actual século, por não terem conseguido se adaptar à evolução, aos hábitos de consumo e às diversas concorrências havidas, de outros materiais, de fabricos de outros países, de outros meios de comercialização, entre outras mais.

(O tardoz da peça, com um dos tripés, a marca e a sigla do autor da decoração)


FONTES:









9) - “Cerâmica em Alcobaça – 1875 até ao presente: CeRamiCa PLUS” – Galeria de Exposições Temporárias – Mosteiro de Alcobaça; 6 de Abril a 4 de Maio 2011; Município de Alcobaça, 2011.

10) – “ Cem anos de Louça em Alcobaça”, de Jorge Pereira de Sampaio e Luís Peres Pereira, 2008;

11) – “Faiança de Alcobaça, de 1875 a 1950”, de Jorge Pereira de Sampaio, Estar Editora, Colecção Fundamental, 1997 (?);

12) – “A Loiça de Alcobaça”, de João da Bernarda, Edições ASA, 1ª Edição, Porto - Outubro de 2001.


13) – “A Faiança de Raul da Bernarda & F.os, Lda. – Fundada em 1875 – ALCOBAÇA”, de Jorge Pereira de Sampaio, Edição Particular da Fábrica Raul da Bernarda & F.os, Lda., Alcobaça, Outubro, 2000

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