domingo, 30 de novembro de 2014

CERAMICA PORTUGUEZA, PADROEIRAS DOS OLEIROS E OUTRAS HISTÓRIAS (JOSÉ DOS REIS - ALCOBAÇA)

Nestes dias cinzentos, frios e chuvosos, apanágio da severidade do Inverno, temos o tempo necessário para consultar alguns livros e relê-los.


Nada melhor que a primeira “Bíblia” da cerâmica – como não podia deixar de ser estamos a referir-nos à “CERAMICA PORTUGUEZA” de José Queiroz, edição de 1907 – Lisboa (1ª Edição), cujo depósito da mesma era na Livraria Coelho, na Rua Augusta, 151 e 153.

Livro que dispensa comentários e que todos já ouviram falar!

O possuir a 1ª edição deste livro é um superior prazer!


Desde logo a sua capa é interessantíssima, fazendo referencia às Padroeiras dos Oleiros Portugueses, as Santas Justa e Rufina.


Consta que Santa Justa e Santa Rufina, irmãs, naturais de Sevilha (Espanha), onde nasceram e faleceram, no ano de 287 (D.C.), pertenciam a um povo pagão, e não prestavam culto a ídolos impostos à época, já que tinham uma inabalável fé cristã.


Pertenciam a uma família pobre, o pai era um oleiro andaluz, cuja sobrevivência era a venda de louça de barro nas feiras.

Ao que consta, segundo a lenda, estando as mesmas uma vez na sua barraca de venda de louça, viram aproximar-se uma procissão que trazia muitos ídolos, que o povo venerava e respeitava, mas que se recusaram a idolatrar os mesmos. Sendo segundo a lenda, o deus Adónis e a deusa Vénus.


Quebraram-lhes as louças que vendiam e o governador, enfurecido com a postura das mesmas, deteve-as, submeteu-as a medonhos castigos e torturas, levando-as até à morte. Santa Justa foi morta sobre a roda e Santa Rufina estrangulada.

Em sinal da sua coragem e da fé cristã, que nunca renegaram, estas duas irmãs começaram a ser faladas, conhecidas e veneradas pelos oleiros, vindo mais tarde a ser consideradas as suas padroeiras.

Deixemos a lenda e voltemos ao livro:  trata-se de um grande trabalho publicado sobre a cerâmica portuguesa, com um caracter científico, histórico e de elevado impacte em todas as análises e estudos efectuados posteriormente, isto é, após 1907, mantendo ainda a sua fundamental importância e actualidade.

E porque não, mais uma vez rever o que foi escrito em 1907, com base em muitos textos, escritos e informações à época e das décadas anteriores, para tentar desvendar algo mais sobre o Ceramista José dos Reis (dos Santos) fundador de uma cerâmica em Alcobaça, em 1875 (?), após vir de Coimbra, onde era mercador de louça (?) – aqui a dúvida.


Mas vejamos o que nos diz à época (1907) José Queiroz:

“FÁBRICA DE ALCOBAÇA – 187…

            Fundada por José dos Reis, pouco mais ou menos n’esta data. Este Reis faleceu em 1897, tomando o seu lugar na fábrica Manuel ferreira Bernarda Júnior, que a alugou à filha do fundador, três anos depois da morte d’este industrial.

            Produz louça entre ordinária e fina – no género de Coimbra – pintada à mão e estampilhada. Usa, entre outros barros, o branco da localidade.

            Atualmente, dirige a fábrica Joaquim dos Santos (Pequeno). Pintor: Francisco Ferreira. Emprega oito operários.

            Fornece os mercados de Alcobaça e Praia da Nazaré.

            Na fábrica existe um prato datado 15-8-75 e em que se lê o nome da localidade por extenso: Alcobaça.
            Esta peça é pintada a azul, verde, amarelo e roxo, e o tipo de decoração é muito semelhante ao que, no século XVIII, ornamentava as louças Bica do Sapato e de Estremoz”.

Não há mais nenhuma referência a José dos Reis, nem ao período anterior em Coimbra quando era mercador de louça, segundo consta e muito menos como oleiro ou proprietário de uma fábrica de louça.

Noutra passagem, importante, deste livro, é feita uma resenha das fábricas contemporâneas (1800-1900) de Coimbra, em que são referidas, nomeadamente as seguintes:

“ 1800-1889 – José Augusto da Fonseca & Filho – Retiro das Lages. Louça branca.
1810 – 1873 – José António dos Santos – Rua da Moeda. Louça branca.
1810 – 1867 – João Augusto da Fonseca – Rua de João Cabreiro. Louça branca.
1820 – 1870 – Leonardo António Veiga – Rua de Simão de Évora. Louça branca.
1820 – 1887 – Virgílio Marão Pessoa – Terreiro de Santo António. Louça branca.
1835 – 1887 – António Gonçalves de Campos – Rua da Moeda. Louça vermelha.
1840 – 1867 – Adriano Augusto Pessoa – Terreiro de Santo António. Louça vermelha.
1845 – 1903 – Adelino da Cunha Moura – Rua Direita. Louça vermelha.
1863 – 1875 – João António da Cunha – Largo das Olarias. Louça vermelha.
1890 – Adriano Augusto Pessoa – Rua da Moeda. Louça vermelha.
1898 – Cardoso de Ladeiro – Rua de João Cabreiro. Louça vermelha.
1899 – Serrano da Fonseca – Estrada da Beira. Louça Vermelha.”

Concluímos assim não haver qualquer informação, neste livro tão importante, que refira, identifique ou indicie qualquer actividade de José dos Reis, em Coimbra com uma fábrica de louça.


Na verdade até hoje só conseguimos identificar a fabricação de José dos Reis (dos Santos) em Alcobaça e no período entre 1875 e 1897 – (ano do seu falecimento).

Fontes:

1) - “Cerâmica Portuguesa”, de José Queiroz, Depósito: Livraria Coelho, 1ª Edição, Lisboa, 1907;




6 comentários:

  1. Este seu post vem em boa hora, pois realmente, e consultando todos os documentos que são conhecidos sobre José dos Reis, não é conhecido nenhum que refira o seu nome ligado a qualquer fábrica em Coimbra.
    Poderemos conjeturar que já estaria neste negócio há algum tempo, ou que estaria ligado ao meio através de outro tipo de ligações, familiares ou outras, mas na realidade, segundo os documentos conhecidos, nada o poderá afirmar, como ligado ao seu fabrico.
    Ainda bem que escreveu este seu texto, pois há outros blogs onde se afirma que este nome de José dos Reis estaria ligado à produção cerâmica ainda em Coimbra; à luz do que se sabe não passa de pura ficção, apesar de não me custar ajuizar que pudesse de qualquer forma estar ligado a este mundo da produção, quando ainda em Coimbra, mas não passa disso mesmo - uma conjetura sem fundamento.
    Anda bem que seguiu por caminhos mais rigorosos e fundamentados ... os parabéns por este seu post tão claro.
    Se há outras pessoas a tentar escrever algo diferente, será melhor deixá-las ficar na sua ignorância, nem sequer merecerá o cuidado elucidá-las; só terei pena porque o que essas pessoas escrevem poderá levar incautos, e menos conhecedores, ao engano.

    Não conhecia a história de Santa Justa e Santa Rufina. É sempre bom sabê-lo, já que tanto gostamos de cerâmicas.
    Uma boa semana

    Manel

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    1. Caro Manel,

      Sem duvida que devemos ser rigorosos e fundamentar, sempre que possível, o que afirmamos, pois caso contrário caímos na situação de facilmente virmos a ser confrontados com a verdade que se descubra. E na Ceramica, as duvidas são muitas e as certezas nem tantas, pelo que a pesquisa de bibliografia ou fontes credíveis é deveras importante.

      Vamos tentando.
      Bom Dezembro.

      Jorge Gomes

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  2. Caro Jorge

    Gostei muito do seu post. Foi claro, preciso e rigoroso.

    O seu texto leva-me a fazer alguma reflexão sobre os conteúdos que publicamos na internet. Se de facto a internet é um espaço de liberdade, onde cada um através do face book, de uma página pessoal ou de um blog, pode escrever livremente o que pensa, por outro lado há também uma certa responsabilidade que devemos ter. Se pretendemos escrever sobre história, arte ou colecionismo, devemos procurar fundamentar minimamente as nossas afirmações, de outra forma corremos o risco de pura e simplesmente produzir "spam", lixo virtual, que só confunde os mais incautos, que acreditam que tudo o que se escreve na internet é verdade.

    É bem verdade que a maioria de nós, que escrevemos sobre cerâmica ou velharias, somos uns meros amadores e que talvez os estudiosos, os académicos e os investigadores se riam de uma ou outra conjectura ou hipótese que atiramos para o ar. Mas, na medida das nossas limitações, devemos procurar, ler, fundamentarmos-nos através de livros, visitas a museus ou da consulta a sites fidedignos para que esta partilha pública de informações na internet se torne numa coisa séria, válida e útil.

    Um abraço e parabéns

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  3. Caro Luís Y,

    Obrigado pelo seu comentário.

    Comungo totalmente consigo das afirmações e considerandos que faz - na verdade, como amadores, devemos ser humildes, mas ter atitude e sermos o mais possível rigorosos, fidedignos e apresentarmos as fundamentações que se justifiquem.

    Um abraço,

    Jorge Gomes

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  4. Dou-lhe os meus parabéns por ter encontrado esta primeira edição da obra de José Queirós. É realmente um prazer que lhe invejo, já que a consideramos uma Bíblia da faiança portuguesa. Claro que houve estudos importantes antes de José Queirós e já depois dele se publicaram muitas obras sérias, mas esta é a mais abrangente, a mais completa e a que acabou por servir de referência a tudo o que se publicou a partir daí.
    Quanto a José dos Reis, embora J. Queirós não mencione o facto, ele é tido como oriundo de Coimbra em obras específicas sobre faiança de Alcobaça (talvez o assento de óbito o mencione...) Ora se ele vem de Coimbra fundar uma fábrica de cerâmica em Alcobaça, forçoso é concluir que ele já trabalhava no ramo em Coimbra, o que não significa que fosse proprietário de uma fábrica ou oficina. A verdade é que os motivos e as técnicas que utilizou em Alcobaça são semelhantes a alguma produção de Coimbra da mesma época, por exemplo presentes no Museu Machado de Castro.
    Gostei também da sua incursão pela história das santas Justa e Rufina, segundo a lenda naturais do bairro oleiro de Triana, em Sevilha.
    Vou finalmente fazer o poste sobre o motivo da sua travessa em faiança azul e branca e espero que não se importe que eu utilize uma foto daqui do blogue.
    Uma boa semana!

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  5. Cara Maria Andrade,

    Obrigada pelo seu comentário.
    Na verdade é um prazer ter um livro como o citado e 1.ª edição.
    Agradeço igualmente a sua análise referente a José dos Reis (dos Santos), pois poderá, muito provavelmente, corresponder ao ocorrido.
    Disponha sempre do que necessitar de utilizar das postagens do meu blog - é na partilha de conhecimentos, das análises comparativas ou de informações correctivas, que todos nós vamos aprendendo e aumentando os nossos conhecimentos.
    Fico esperando a sua postagem sobre a tal travessa faiança azul e branca.
    Cordiais saudações,

    Jorge Gomes

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