sexta-feira, 17 de abril de 2015

TRAVESSA EM FAIANÇA AZUL E BRANCA, MOTIVO “ROSELLE”, FABRICO DO NORTE? IMITAÇÃO DE MIRAGAIA?

As peças em faiança azul e branca, antigas, carcomidas pelo tempo, são um fascínio para todos nós, amantes desta arte decorativa.


E quando a sua decoração é exuberante, com motivo conhecido ou não e com fabrico desconhecido, por não ter qualquer marca ou identificação, colocam-nos a tentar desvendar o mesmo, pelo que ainda maior é o fascínio por essas peças.


Apresentamos hoje uma interessantíssima travessa, em Faiança Azul e Branca, muito antiga, já um pouco “cansada” pelos anos, mas com um motivo que conseguimos identificar “ROSELLE”.

Travessa em faiança portuguesa do final Século XIX, ou início do XX. Peça moldada, de formato oval, recortada, monocroma e vidrada. Apresenta decoração monocromada a azul e branco: paisagem de um casario (chalet) com arvoredo e o que se presume ser um lago, em decoração esponjada, estampilhada e a traço à mão livre a azul.

No limite da aba possui um filete grosso, em azul forte, feito à mão pelo artista, denotando-se a sua imperfeição e traço não firme, o qual é secundado, para o interior, por uma calota esponjada num azul mais claro.


Na continuação da decoração da aba em direcção ao covo da travessa há uma cercadura de cornucópias, que constituem um conjunto decorativo repetitivo e aplicado por estampilhagem – com recurso a uma chapa recortada, num tom forte de azul.

O covo da travessa encontra-se praticamente todo preenchido: à direita, em desenho livre, com partes estampilhadas e esponjadas, o chalet, de vários pisos, com cobertura triangular, de duas águas, de pendentes bastante inclinadas, com duas chaminés decorativas e um vasto arvoredo envolvente; ao centro uma vasta área esponjada que será, provavelmente a representação de um lago, com umas nuvens, altas, no horizonte; e à esquerda, um imponente arvoredo, com trancos e ramos estampilhados, em tom de azul forte e as ramagens esponjadas, algumas com recorte a pincel, em tons de azul mais forte.


Quer no covo da travessa, quer no seu tardoz, denotam-se as três falhas do vidrado devido à aplicação da trempe, quando a peça foi cozer o vidrado.


No tardoz denota-se um esmalte leitoso, por vezes irregular e onde se realça tonalidades azuis, que parecem ter trespassado da decoração da aba e do covo.

Trata-se de uma decoração desenvolvida em Portugal, como interpretação livre e popular, ao gosto do artista e inspirada no motivo inglês, padrão "Roselle", "que é composto por um romântico chalet e uma árvore, que ladeiam um lago, onde se avista ao longe um castelo. Roselle é o nome de uma localidade italiana no Sul de Florença, que era um ponto de escala do chamado Grand Tour", tal como refere o Luís Montalvão, no seu blogue  http://velhariasdoluis.blogspot.pt/; (8).
 
(Caneca inglesa com padrão "Roselle", fabrico da John Meir & Son, apresentada na fonte 8)
Igualmente na mesma fonte (8), é afirmado que: "Em Portugal, segundo aprendi com o mercador veneziano, O Roselle foi copiado pela Fábrica de Massarelos. Foi também adaptado de forma popular por um fabricante que  algumas leiloeiras identificam como Vilar de Mouros e outras por loiça de Coimbra.", o que em certa medida vem confirmar o padrão da nossa travessa.
 
(Travessa em faiança nacional com motivo inspirado no padrão inglês "Roselle", exibida na fonte 8)
O motivo inglês “Roselle” foi produzido pelo fabricante JOHN MEIR & SON, na segunda metade do século XIX, período durante o qual a faiança inglesa dominou o mercado europeu pelo que os seus motivos serviram de inspiração aos fabricantes de todo o continente, e como não podia deixar de ser, a Portugal, reforçada pela “aliança” existente.



Fábricas como Alcântara, Massarelos e outras do Norte, não identificadas, produziram faianças com este motivo. A Fábrica de Massarelos produziu muitas peças com este motivo, por estampagem, das quais várias estão reproduzidas na fonte (14).

Para melhor identificação do motivo apresentamos algumas imagens de peças inglesas, com este motivo “Roselle”.




Por outro lado, atribui-se com frequência o fabrico de faianças com este motivo a “Vilar de Mouros”, se for em tonalidades verdes e a “Coimbra” ou mesmo “Alcobaça”, se doutras tonalidades.

A nossa travessa não suscita dúvidas, será certamente fabrico de uma das fábricas do Norte, eventualmente próximo de Porto, mas que não conseguimos identificar.

Será uma imitação da decoração de “Miragaia” ? ou de “Santo António do Vale da Piedade” ?

A incógnita mantém-se, mas a peça em faiança Azul e Branca, vale por si só, mesmo sem se conhecer o seu fabrico.


FONTES:

1) – “Faiança Portuguesa Séculos XVIII-XIX”, Colecção Pereira de Sampaio, Editores ACD, 2008.

2) – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.

3) – “Faiança Portuguesa – Seculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos, 1985.

4) – “Cerâmica Artística Portuense dos Séculos XVIII e XIX”, Vasco Valente, Livraria Fernando Machado – Porto,

5) – “Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas”, Teresa Soeiro, Jorge Fernandes Lacerda, Silvestre Lacerda, Joaquim Oliveira, Edição Portugália, Nova série, volume XVI, 1995.

6) – “Fábrica de Louça de Miragaia”, Museu Nacional Soares dos Reis, Edição IMC, Lisboa, 2008.





11) – “Fábrica de Massarelos - Porto, 1763 – 1936”, Coordenação de Mónica Baldaque, Teresa Pereira Viana e Margarida Rebelo Correia, edição do Museu Nacional Soares dos Reis, 1998.



14) – “A Fábrica de Louça de Massarelos – Contributos para a caracterização de uma unidade fabril pioneira”. Volume 1, dissertação de Mestrado em Estudos do Património, de Armando Octaviano Palma de Araújo, Universidade Aberta, Lisboa, 2012.

9 comentários:

  1. A peça é interessante, mas não me parece de todo uma imitação do motivo "país" da congénere de Miragaia, faltam-lhe todos os elementos que formam aquele motivo da mítica fábrica do Porto.
    Nem tão pouco me parece que seja inspirada naquele motivo.
    Inclino-me, tal como refere no seu post, para mais uma reinterpretação do padrão "Roselle", o qual é mais recente que o outro, de Miragaia.
    Gosto imenso da cor do vidrado, que me parece, só olhando para as fotografias, de muito boa manufatura.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Caro Manel,

      Agradeço mais uma visita pelo blogue, bem assim como o oportuno e assertivo comentário. Vou corrigir a postagem.
      Obrigado.
      Igualmente boa semana.
      Jorge Gomes

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  2. Jorge

    Adorei a travessa. Que peça linda!!

    Esta peça, que parece ser mais do Norte, demonstra mais uma vez que este motivo do casario inspirado no Roselle foi fabricado em vários pontos do País.

    Quanto a Vilar de Mouros ter fabricado este motivo tenho as minhas dúvidas. De facto no mercado de velharias, estas paisagens inspiradas no Roselle são atribuídas a Vilar de Mouros, mas se formos consultar bibliografia sobre esta fábrica não há quase dados sobre ela e muito menos imagens das suas produções. As únicas imagens que vi de peças atribuídas a Vilar de Mouros foi no catálogo "Exposição de cerâmica das Fábricas do Distrito : catálogo / Câmara Municipal de Viana do Castelo. - Viana do Castelo : C.M., 1970. - 145 p. : il.; 21 cm" e não tem nada a ver com o motivo Roselle. Se quiser posso-lhe enviar uma digitalização por e-mail da página desse catálogo, se me indicar o seu endereço eletrónico.

    Um abraço e parabéns pela peça fantástica

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    1. Caro Luís Montalvão,

      Obrigada pelo seu oportuno e contributivo comentário.
      É sempre bom aprender com quem sabe mais que nós.
      Agradeço a sua disponibilidade e desde já lhe indico o meu endereço: jorge.amaral.gomes@gmail.com, para me enviar a tal pagina que cita.
      Um abraço, até nova postagem e visita sua.

      Jorge Gomes

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    2. Ok, amanhã, vou ver se trato de lhe enviar a imagem

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  3. Boa noite? Tenho .conjunto de fianca azul e gostaria de saber onde posso avaliar seu preço...

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  4. Caro visitante,
    Um antiquário ou um vendedor de velharias poderia dar-lhe valores de referência.
    Se desejar poderia enviar imagens para mim, para o meu e-mail da peça em causa e talvez lhe consiga dar uma estimativa.
    Cumprimentos,
    Jorge Amaral

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  5. Poderia me enviar seu endereço de email?

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  6. Com certeza,
    email: jorge.amaral.gomes@gmail.com
    Cumprimentos,
    Jorge Amaral

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