Para
começar o novo ano, após um interregno forçado, apresentamos um interessante
prato, pequeno, em faiança, que presumimos ser de Coimbra, do século XIX, com a
decoração “Casario”.
Prato
pequeno, mas deveras interessante; com uma reserva central, monocromática, na
cor vinoso (cor de amora).
A
decoração é pintada por estampilhagem e esponjado na cor de amora (vinoso),
sobre fundo branco, possuindo uma paisagem tipo “Casario”, com um conjunto de
três edifícios e árvores e elementos vegetalistas a ladear os mesmos.
Os
edifícios, os troncos das árvores e o elemento vegetalista foram aplicados por
estampilhagem (chapa recortada) e os ramos das árvores e o solo/paisagem de
enquadramento foram aplicadas por esponjado.
O
conjunto de edifícios, em número de três, ao gosto da época, com dois e três
níveis de fenestração, exibem dois, coberturas piramidais e outro uma cúpula.
Estes
edifícios eram característicos à época, meados a final do século XIX, existindo
vários em Vilas em torno de Coimbra, bem como em diversas Vilas das Beiras,
para além das do Norte e Nordeste do País, os quais eram mandados edificar
pelos “Torna-Viagem”…
Isto
era, os portugueses que regressavam do Brasil, abastados, com características de
homem burguês e moderno e que queriam demonstrar essa situação, entre outras
exibições, através das edificações que faziam, geralmente mais altas que as
existem, com telhados com coberturas piramidais ou em cúpulas.
A
estes “torna-viagem”, também lhe chamavam “Brasileiros”, e a sua influência, a
nível do edificado em Portugal, também influenciou a cerâmica, e ficou
registado para a posteridade, como é o caso do presente pequeno prato.
A
arquitectura das edificações destes Brasileiros “torna-viagem” era elegante,
inspirada nas casas coloniais vitorianas, com soluções afrancesadas e com
alguma influência italiana.
Tal
como caracteriza Miguel Monteiro:
“A casa do "Brasileiro" de
"Torna - Viagem" constituiu uma das representações mais evidentes
desse retorno, quer na estrutura e fachada das edificações, quer nas novas
demarcações internas, dividindo espaços e pessoas, evidenciando novas
hierarquias e novas fronteiras sociais.
As inovações arquitectónicas e
decorativas da casa do Brasileiros representam, na maior parte dos casos, uma
reprodução ‘desfocada’ de soluções formais de uma arquitectura ‘elegante’
adoptada na construção residencial brasileira a partir de meados do século XIX
mercê da actividade de arquitectos e companhias de construção europeias: um
modelo onde pontuam influências da casa colonial vitoriana, soluções formais
afrancesadas, misturadas com algum revivalismo de cariz italiano".
Nesta perspectiva, as edificações
remetem para um quadro de leitura urbana da “Casa” que poderá ser categorizadas
em três tipos: o palácio, a casa apalaçada e o palacete.”
Estes
Brasileiros “torna-viagem” foram vastamente retratados por Eça de Queiroz, bem
como por Camilo Castelo Branco.
São
exemplos disso, o “torna-viagem” em “O primo Basílio” (1878), de Eça de Queiroz;
o “retornado” Eusébio Seabra em “A Morgadinha dos Canaviais” (1868) de Júlio
Dinis; e os vários “brasileiros” em “Eusébio Macário” (1879), em “A Brasileira
de Prazins” (1883), “A Corja” (1880), “Os diamantes do Brasileiro” (1869),
entre muitos outros romances, todos de Camilo Castelo Branco.
Voltando
à peça: trata-se de um pequeno prato não marcado, com uma massa de textura
fina, de esmaltado leitoso, mais ou menos homogéneo, mas com alguns escorridos,
sob o qual se denota uma massa na cor de grão.
Peça
interessante, com decoração relevante, que pelas suas características, nos permite
considerar que será fabrico de Coimbra, desconhecendo-se, como sempre, a
respectiva fábrica ou cerâmica, e , provavelmente, fabricada entre 1850 e 1890.
Mas
certezas absolutas, não as há.
Quer
no covo, quer no tardoz deste prato notam-se os três pontos de falhas de
vidrado, decorrentes da colocação do mesmo nas trempes, para a vidragem.
Não
possui qualquer filete, nem qualquer decoração vegetalista ou geométrica na
bordadura do mesmo.
Pelo
tipo de decoração, do esponjado e do “casario”, consideramos que não será
Alcobaça, fabrico de José dos Reis, mas Coimbra.
Na
Fonte 7) encontramos uma tigela com tampa, com uma decoração semelhante, com a
indicação: ”TIJELA COM TAMPA EM FAIANÇA DE FABRICO DO SÉC
XIX OU ANTERIOR QUE PODERÁ SER DE ALCOBAÇA QUE USOU INICIALMENTE ESTE
MOTIVO DO CASARIO MONOCROMADO. ALGUMAS FÁBRICAS DO NORTE TAMBÉM USARAM
ESTE MOTIVO”.
No
entanto, pelo motivo continuamos a considerar como sendo de Coimbra.
FONTES:
1) – “Faiança Portuguesa Séculos
XVIII-XIX”, Colecção Pereira de Sampaio, Editores ACD, 2008.
2) – “Cerâmica Portuguesa e Outros
Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda
Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial
Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.
3) – “Faiança Portuguesa – Séculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos,
1985.